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O maior desafio para a Igreja Católica após a divulgação do relatório final deste Sínodo sobre as famílias não é a espinhosa questão da comunhão aos casados em segunda união – como muitos pensaram –, e sim a resposta do catolicismo à crise da família.

Essa crise não acontece porque nossas famílias sejam mais disfuncionais ou infelizes que as do passado. Não há dados estatísticos que nos permitam, com a arrogância característica de nossa era cientificista, proclamar se a infelicidade das famílias aumentou ou diminuiu ao longo da história. Os relatos históricos, porém, mostram que pais despóticos, esposas infelizes, filhos oprimidos e falta de amor sempre existiram em boa parte das famílias. Aliás, vivemos numa sociedade muito mais livre para demostrar amor e afeto, na qual os problemas educacionais não passam pela repressão aos jovens, mas por sua autonomia desorientada.

Contudo, hoje temos mais clareza das dificuldades de realização pessoal de cada um nos lares onde falta o amor, e isso leva mais famílias a se romper e mais jovens a não querer formar família. Continuamos desejando uma família estável e feliz. A própria pressão pela aprovação de casamentos entre pessoas do mesmo sexo e de reconhecimento da Igreja aos casais em segunda união reflete esse desejo. Contudo, cada vez mais desistimos deste ideal por causa das dificuldades que encontramos e não sabemos superar.

No fundo, a proposta cristã para a família permanece sempre a mesma

O casamento religioso católico quer fortalecer os cônjuges para que consigam, em suas famílias, se realizar e ajudar na realização pessoal dos filhos. Mas isso tem acontecido com muito menos frequência do que o desejado. Este é o grande desafio.

Vendo as repercussões do Sínodo, a comunidade católica deve reconhecer – para além dos debates teológicos – que a sociedade tem um desejo de acolhida e de inclusão. Não se trata de mudar as concepções da Igreja para se adaptar aos tempos, mas de reconhecer que as pessoas hoje sentem uma grande necessidade de se descobrirem amadas. O destaque dado pela imprensa às questões envolvendo homossexuais e casados em segunda união respondeu ao anseio de acolhida que existe entre os leitores. O exemplo de Francisco renovou a expectativa por uma Igreja acolhedora, capaz de amar e dar esperança às pessoas. E a comunidade católica, para ajudar as famílias, tem de corresponder a essa expectativa.

No conjunto, o relatório do Sínodo traz poucas novidades em relação à exortação apostólica Familiaris Consortio, de 1981. No fundo, a proposta cristã para a família permanece sempre a mesma: um amor gratuito entre os cônjuges, consequência, “imagem e semelhança” do amor de Deus, e a vida em uma comunidade de fé que apoia e acompanha a família em seu caminho.

O passo dado neste Sínodo, em relação a esta proposta básica, tem sido apresentado como sendo o discernimento em relação a situações particulares. O discernimento cristão, mais do que analisar e julgar o que acontece, é procurar ver o mundo com o olhar de Deus. Por isso, a missão da Igreja, também no tocante à família, continua a ser a experiência, mística e humana, do encontro com Cristo – e ajudar essa experiência a transcender o intimismo religioso e incidir na vida, para que as pessoas sejam mais felizes e a sociedade, mais humana.

Francisco Borba Ribeiro Neto, sociólogo e biólogo, é coordenador do Núcleo Fé e Cultura da PUC-SP.
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