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Para a ONU, ensino domiciliar é liberdade educacional

O ensino domiciliar é um direito natural, constitucional, legal, viável e imparável, e até a ONU reconhece isso. (Foto: Vitaly Gariev/Unsplash )

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No mês passado, a relatora especial da ONU, Farida Shaheed, divulgou um relatório sobre direito à segurança na educação. No item H, que aborda o ensino não convencional e o homeschooling, há uma menção ao artigo 13 do Pacto Internacional de Direito Econômicos, Sociais e Culturais e ao relatório anterior. De acordo com o inciso I, §2º, do art. 13, “a educação primária deverá ser obrigatória e acessível gratuitamente a todos”. Para entender melhor o que significa educação primária, o relatório de 2023, que trata dos avanços e desafios críticos ao assegurar o direito à educação, esclarece, no item H, que a obrigatoriedade diz respeito ao ensino primário e não à escolarização. Destaco o título deste tópico: "Educação não deve ser reduzida à escolarização".

Ainda no relatório divulgado este ano, o ensino domiciliar é descrito como parte da liberdade educacional, praticado por famílias que desejam assegurar a educação das crianças em casa, incluindo o objetivo de garantir a segurança delas. Ao final, Farida salienta que as mesmas garantias aplicadas por alunos escolarizados, deverão ser aplicadas aos alunos domiciliares com o objetivo de que estes desfrutem de todos os aspectos do direito à educação. Como exemplos, temos a participação em competições desportivas e o direito à meia-entrada em atividades culturais.

A insegurança jurídica do ensino domiciliar não ocorre por mora legislativa, mas por perseguição ideológica e desonestidade intelectual

Ela menciona visitas feitas, uma à Ilha Åland, na Finlândia, e a observação positiva que fez da atuação das autoridades que trabalham junto às famílias para garantir os direitos educacionais do ensino domiciliar, provendo serviços médicos e psicológicos. Em Portugal, o governo possui uma abordagem semelhante em relação aos alunos domiciliares, com o fornecimento de serviços médicos, psicológicos e sociais, numa variedade de medidas de proteção e monitoramento destes direitos.

Podemos observar a conformidade do art. 13 do Pacto Internacional de Direito Econômicos, Sociais e Culturais com o inciso I do art. 4º da Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB), que determina a obrigatoriedade da educação básica, compreendida entre os 4 e os 17 anos de idade. Ainda que a LDB esteja abaixo da Constituição Federal na hierarquia das normas, nota-se que ela harmoniza com os demais diplomas legais.

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A hierarquia normativa é uma concepção teórica sobre a ordem de preferência entre as leis desenvolvida por Hans Kelsen, um jurista e filósofo austro-americano. Na pirâmide de Kelsen, como ficou conhecida a teoria, a Constituição Federal está no topo e abaixo dela estão as emendas constitucionais; as leis e as medidas provisórias; os decretos; as resoluções, instruções normativas e portarias, nesta ordem. Se a ONU reconheceu o ensino domiciliar como parte da liberdade educacional, com a expressa distinção entre escolarização e ensino, com base no art. 13 do Pacto Internacional de Direito Econômicos, Sociais e Culturais, devemos lembrar também da Declaração Universal dos Direitos Humanos, que assegura aos pais, no art. 26, 3, a prioridade do direito de escolher o gênero de educação a dar aos filhos.

O julgamento de Regiane Cichelero, mãe educadora, marcado para o dia 1º de julho, foi remarcado em razão de uma licença solicitada pela relatora. Que durante esse hiato, os nobres julgadores, incluídos aqui os assessores, possam ter acesso a esses e tantos outros substratos jurídicos que embasam o direito à liberdade educacional.

Nunca houve obrigatoriedade à escolarização, mas à instrução primária. Insta salientar que o crime de abandono intelectual tem como elemento do tipo o verbo deixar e não o verbo fornecer. Ainda que haja a ressalva de “sem justa causa”, nenhum pai educador se escusa de levar o filho à escola para deixar de prover instrução aos filhos com base em uma causa justa. Mas sob o argumento de uma causa qualquer, eles possuem o direito de proverem instrução domiciliar.

A obrigatoriedade da matrícula não é crime. Ao se observar que ensino domiciliar não é considerado abandono intelectual, pelo próprio elemento do tipo, toda e qualquer ação ministerial que tenta condenar pais comprometidos a fornecerem um ensino de qualidade perde o objeto.

Segundo uma estimativa da ANED (Associação Nacional de Educação Domiciliar), há mais de 70 mil alunos domiciliares. A insegurança jurídica do ensino domiciliar não ocorre por mora legislativa, mas por perseguição ideológica e desonestidade intelectual. O ensino domiciliar é um direito natural, constitucional, legal, viável e imparável, e até a ONU reconhece isso.

Isadora Palanca é escritora, ghost writer e revisora, com formação em Direito, mediação e especialização em Direito e Processo Civil. É autora dos livros “Ensino domiciliar na política e no direito”, “Regulamentações do ensino domiciliar no mundo” e “AFESC: em defesa do ensino domiciliar”, e procura famílias que pratiquem homeschooling fora do Brasil para o próximo livro.

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