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Há poucas semanas escrevi sobre os motivos pelos quais procuramos por Deus. Observei que Ele não é um enigma a ser decifrado, mas um mistério a ser experimentado. Mas não somente é assim ante a vivência do religioso. Até realidades humanas das mais lídimas são conhecidas pela experiência pessoal mais do que por elocubrações da racionalidade. Apenas a título exemplificativo, quando se fala do amor é melhor falar a partir de vivências que de análises. E ainda não se disse tudo. A arte e a simbologia ainda estão a buscar expressões antigas e novas para dimensão tão profunda do humano.

Algo semelhante se pode referir quando se trata da experiência de fé. Este tema aflorou-me à mente ao pensar no evangelho proclamado neste domingo. Nós, católicos, celebramos a solenidade litúrgica da Assunção de Nossa Senhora. E a palavra nos vem do evangelista Lucas (Lc 1, 39-56). Trata da visita de Maria a Isabel. Como sabemos, a segunda tinha já ultrapassado os tempos de poder ter filhos. Não os tivera. E isso, para a época, era um motivo de humilhação. Pensava-se que Deus a rejeitara. Porém, prodigiosamente, eis que se viu grávida. Nasceu João Batista, o precursor de Jesus.

A existência humana é mais que poder científico

Relata o evangelho que Maria “dirigiu-se apressadamente para a região montanhosa... e saudou Isabel” (Lc 1, 39-40). As nossas interpretações mais espontâneas sugerem que a mais jovem (Maria) fora até a casa de Isabel (idosa e grávida) para oferecer seus préstimos em uma situação singular e delicada. Todavia, uma leitura atenta propõe outra possibilidade. Alguns versículos antes a jovem de Nazaré ouvira que sua parente “concebera um filho na sua velhice... pois que para Deus nada é impossível” (Lc 1, 36-37). E, então, para lá partiu a jovem para “ver” o sinal que lhe fora apontado.

Gostaria de olhar com mais vagar para este aspecto da disposição humana para “crer”. A jovem de fé, Maria de Nazaré, não se “pôs em caminho” para ter certezas originadas da observação empírica. Tampouco fora para apenas ajudar uma senhora necessitada de favores práticos. Disso Isabel não precisava; era esposa de um homem bastante prestigiado. Maria “partiu apressadamente” para contemplar, no fato extraordinário da gravidez de uma senhora idosa, os traços ou os sinais da proximidade de Deus. Porém, não se tratava de maravilhar-se diante de um prodígio miraculoso. Não é preciso que se multipliquem os milagres para que se possa crer.

Na realidade, para quem prefere duvidar, sempre será possível lançar questionamentos. Quem escolhe crer não circunscreverá sua fé e sua relação com Deus apenas ao âmbito da intelecção. Como o discurso sobre o amor, em que parece mais persuasiva a palavra de quem ama que de quem o examina, assim também será possível contemplar os sinais de Deus para quem cultiva ou faz uma experiência pessoal de encontro com Ele. E, para um cristão, o seguimento e a intimidade com Jesus Cristo são os melhores passos para tal encontro. Para quem quiser confinar Deus a um laboratório, então Ele é um delírio. Para quem o busca em vista de um sentido para a vida, então é a plenitude. Tudo depende do modo como queremos nos relacionar com Ele.

Graças a Deus podemos nos maravilhar com a inteligência e a inventividade da ciência. E é fundamental que ela avance. Precisamos muito. Mas a existência humana é mais que poder científico. A vida pede mais do que saber. E, para perceber os sinais de Deus, é preciso a humildade de não pretender confiná-lo.

Dom José Antonio Peruzzo é arcebispo de Curitiba.
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