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Pela Jovem Pan e por Milly Lacombe: Estado não pode calar vozes discordantes

(Foto: Jovem Pan/Divulgação)

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As terras infrutíferas da Grécia Antiga viram nascer o florescimento de uma das maiores engenharias humanas do mundo: a relação entre liberdade e cidadania. Diante da enorme dificuldade em produzir e criar uma cultura sustentável para alimentar seu povo, ameaçados por diversos lados e sem uma unificação territorial, os atenienses criaram um novo tipo de sociabilidade, baseado na ideia socrática de que a verdade não pertence aos homens, mas está entre eles. Por meio dessa perspectiva, caberia ao pensamento grego compreender o mundo não apenas para dominá-lo, mas para transformá-lo.

Entre Alexandre, o Grande, e Napoleão Bonaparte, mais de dois milênios se passaram, e a ideia de transformar o mundo por meio de suas verdades resultou em experiências inovadoras, mas que custaram a vida de milhões de pessoas. Foi a partir do século XIX que a liberdade passou a conviver com a verdade entre os homens. Tanto o fim da escravidão quanto a defesa da liberdade de consciência, pensamento e expressão coexistiram em um movimento de ideias que ficaria consolidado como o liberalismo moderno.

Quando o poder público, respaldado por uma parte da sociedade que sempre defende seu 'ódio do bem' ou sua 'caça aos comunistas', decide ultrapassar as fronteiras da civilização, ele retira a liberdade do meio e tenta se apropriar de algo que não lhe pertence

De lá para cá, conquistas como o abolicionismo, o sufrágio universal, a Declaração Universal dos Direitos Humanos da ONU e a internet consolidaram uma ideia de liberdade nunca antes vivenciada por milhões de seres humanos – embora também tenhamos convivido com regimes totalitários ao longo do século XX. Essa conquista se materializou em diversas constituições de países ocidentais, tendo como grande exemplo a Carta Americana, que afirma em seu primeiro artigo:“O Congresso não fará lei relativa ao estabelecimento de religião ou proibindo o livre exercício desta, ou restringindo a liberdade de palavra ou de imprensa, ou o direito do povo de reunir-se pacificamente e dirigir petições ao governo para a reparação de seus agravos.”

Atualmente, no Brasil e em muitos países ocidentais, a “tentação autoritária” vem ganhando novos contornos – seja pelo poder do Estado, seja pelo ressentimento social de grupos excluídos do processo de globalização, em contraste com grupos que desejam impor uma nova agenda cultural. Nos últimos anos, entre nós, vários exemplos podem ser destacados para ilustrar tal situação, mas fiquemos com dois casos mais recentes, nos quais apelos populares foram capturados por diversas instâncias estatais em forma de um justiçamento oficial.

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O primeiro caso de censura diz respeito à ação do Ministério Público Federal (MPF), que solicitou o cancelamento das outorgas da Jovem Pan, alegando “desinformação antidemocrática”, em 2022. Trata-se de uma medida que visa corroer a capacidade do cidadão de produzir sua crítica a partir de diferentes pontos de vista sobre um caso, pois grandes emissoras como a Jovem Pan vêm conseguindo reequilibrar visões hegemônicas antes petrificadas em três ou quatro grandes canais. O compromisso democrático da Jovem Pan nunca esteve em xeque, conforme sua linha editorial apresentada em 2022.

Em contrapartida, o segundo caso refere-se à censura sofrida pela jornalista Milly Lacombe por parte da prefeitura de São José dos Campos, que vetou sua participação em um evento literário na cidade. Particularmente, tenho inúmeras discordâncias com a profissional, mas vetar seu direito de fala – e impedir que cidadãos, tanto os que concordam quanto os que discordam dela, possam se manifestar de forma democrática em uma ágora moderna – significa diminuir a importância do exercício de cidadania naquela cidade.

Somente a liberdade de expressão permite a liberdade de consciência. Quando o poder público, respaldado por uma parte da sociedade que sempre defende seu “ódio do bem” ou sua “caça aos comunistas”, decide ultrapassar as fronteiras da civilização, ele retira a liberdade do meio e tenta se apropriar de algo que não lhe pertence. Deixem a liberdade respirar!

Victor Missiato é doutor em História (UNESP/Franca) e professor do Instituto Presbiteriano Mackenzie.

Conteúdo editado por: Jocelaine Santos

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