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Diz a piada que quatro ingleses estavam jogando bridge e um brasileiro estava de fora, sapeando. “Ei! por que você jogou este 3 de copas?”, o sapo pergunta pra um; “E você, está segurando este rei de paus pra vender na feira?”, diz pra outro. E assim seguem, os fleumáticos ingleses jogando e o brasileiro palpitando, até que a natureza chama e o brasileiro precisa ir ao banheiro. Aproveitando a deixa, os ingleses combinam que, quando o brasileiro voltasse, começariam a jogar loucamente um jogo inexistente. Volta o sapo bem na hora em que o inglês da primeira dupla joga uma carta declarando “klumpt!”; um inglês da outra dupla joga duas cartas em cima do descarte anterior e, com um sorriso triunfante, declara: “broclundas!!!” Sem perder a pose, o brasileiro comenta: “Com um klumpt vagabundo desses, o mínimo que você poderia esperar era uma broclundas fenomenal!” Toda vez que ouço a importância de o Brasil ser autossuficiente em petróleo ou comentários sobre o pré-sal, penso nesta piada.

Nos últimos anos, por razões estratégicas, os Estados Unidos voltaram a investir em sua indústria de petróleo, mas não são autossuficientes e, a bem da verdade, todo país que conta com uma economia forte está muito mais voltado ao robustecimento de seu mercado de petróleo e não ao de sua indústria.

Antes de explorarmos as razões que levaram os EUA a reinvestir fortemente em sua indústria petroleira nos últimos anos, avaliemos o que os tinha levado à diminuição da produção interna: em 1853, George Bissel criou a indústria de petróleo norte-americana. Em 1859, o coronel Drake perfurou o primeiro poço em Titusville, na Pensilvânia. Em 1870, Nelson Rockfeller fundou a Standard Oil, que se torna monopolista em 1882. Em 1901, com o petróleo começando a jorrar no Texas, surgiram as empresas Sun, Texaco e Gulf. Em 1911, a Corte Suprema dos EUA ordenou a dissolução da Standard Oil, e foi aí que surgiu a Exxon. A partir daí, o Estado nunca mais foi responsável por um grande movimento da indústria norte-americana de petróleo e, talvez por isso, indústria e mercado amadureceram juntos, com dinâmicas que oscilam de acordo com a política internacional.

Nos últimos anos, por razões estratégicas, os Estados Unidos voltaram a investir em sua indústria de petróleo

Como o Brasil não tem tradição de mercado de petróleo, sua indústria acaba por operar – estrategicamente – de modo engessado, com contratos de longo prazo, sempre com os mesmos compradores. O país conta hoje com 18 refinarias, sendo 15 da Petrobras, e a produção de derivados é quase que totalmente voltada ao abastecimento interno, ainda que não consiga preencher totalmente as necessidades do mercado local. Segundo o relatório de abril de 2018 da ANP, 36,3% da produção nacional foi exportada. Os destinos se dividiram entre China (61%), EUA (10%), Chile (10%), Uruguai (7%) e outros países (12%). No entanto, importamos 27,2% do GLP, 15,5% da gasolina e 26,3% do óleo diesel consumidos no país. Com variações apenas nos volumes, este é o mercado de petróleo brasileiro desde 1953.

Hoje, o mundo produz cerca de 81 milhões de barris de petróleo (MMBBL) por dia, enquanto as negociações bursáteis, também durante um único dia, são atualmente da ordem de 2,5 mil MMBBL.

Os EUA voltam ao topo da lista de produtores. Por quê? Simples: a China é hoje o maior consumidor de petróleo do planeta, o que alavanca a posição dos países produtores com relação ao preço, quando ocorrem as vendas primárias. Aumentando a produção interna – neste momento –, os EUA equilibram seu consumo (20 MMBBL/dia) ao mesmo tempo em que diminuem a alavancagem de seus fornecedores e aumentam sua oferta no mercado mundial, além de garantir a entrega de 700 mil barris (MBBL) de WTI todos os dias em Cushing, Oklahoma, fortalecendo o petróleo-referência para as Américas e, evidentemente, sua atividade bursátil.

Leia também: A política de preços da Petrobras (editorial de 29 de julho de 2018)

Leia também: O lucro da Petrobras é bom? Depende (artigo de Lucas Lautert Dezordi, publicado em 15 de agosto de 2018)

Diferentemente dos contratos de cinco anos e 800 páginas que regem a indústria brasileira de gás natural, nos Estados Unidos, como na Europa, os contratos são diários e constituem-se de uma única página.

É certo que o petróleo nos EUA está no continente e o nosso está no mar; o gás natural associado ao petróleo naquele país é da ordem de 25%, enquanto o nosso é 78%; em 2017, os EUA consumiram 2.100 milhões de metros cúbicos (MMm3) de gás natural por dia, enquanto o Brasil consumiu 66 MMm3/dia.

Quando os jogadores realmente sabem o que estão fazendo, o bridge é resolvido no leilão, ou seja, antes de o jogo começar.

Patrizia Tomasi é engenheira e consultora da Planck E.
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