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No dia 16 de novembro de 2025, a Polônia acordou com uma irregularidade nos seus caminhos de ferro na ligação entre Varsóvia e Lublin. Algo que poderia parecer uma situação sem grandes preocupações – exceto os problemas de deslocação de pessoas e mercadorias – transformou-se rapidamente num caso de emergência nacional, o mais grave ocorrido em território polaco desde a 2ª Guerra Mundial.
O primeiro-ministro polaco, Donald Tusk, escreveu na sua conta no X o que todos mais temiam: a confirmação de que tinha ocorrido um “ato de sabotagem sem precedentes, dirigido contra a segurança do Estado polaco e dos seus cidadãos”. Desde janeiro de 2024, já foram detidas 55 pessoas por suspeitas de sabotagem em território polaco, isto porque, sendo a Polônia o principal corredor logístico de apoio à Ucrânia, tornou-se um alvo direto de espionagem e possíveis sabotagens.
Para além do visível cansaço de mais de três anos de conflito, a Fundação Res Futura identificou uma rede de propaganda russa que usa as redes sociais para difundir um conjunto de narrativas de culpabilização da Ucrânia ou da própria Polônia pelos eventos sucedidos
Quando a situação acalmou, foi possível compreender a real dimensão deste caso. Houve uma sabotagem em duas partes da linha férrea que liga Varsóvia a Lublin. Um dos atos recorreu a explosivos C4 junto da aldeia de Mika, detonando no momento em que um comboio de carga estava a passar. A outra sabotagem ocorreu mais perto de Lublin, com a colocação de uma barra metálica nos trilhos com o objetivo de provocar um descarrilamento, afetando um comboio com 475 passageiros, que foi forçado a parar devido à repentina quebra de janelas. Felizmente, o comboio não descarrilou e não houve feridos a registar. É de salientar que a área onde ocorreu a sabotagem encontra-se próxima da 3ª Base Regional de Logística das Forças Armadas polacas, que alberga um depósito militar de combustível. Durante as investigações, foram identificados três suspeitos de nacionalidade ucraniana – Oleksandr K., Yevhenii I. e Volodymyr B. – que, segundo declarações de Donald Tusk, colaboravam com os serviços de inteligência russos e tinham fugido para a Bielorrússia.
Este não é o primeiro caso em que cidadãos ucranianos estão envolvidos em situações que criam disrupções ou tensões na Polônia. Já aconteceu aquando da explosão do Nord Stream 1 e 2 (setembro de 2022). Um míssil ucraniano já caiu em território polaco, matando dois civis (novembro de 2022). Ou, mais recentemente, um conjunto de drones entrou no espaço aéreo polaco sem que as forças ucranianas alertassem os seus aliados europeus (setembro de 2025). O anterior presidente polaco, Andrzej Duda, chegou a afirmar, após a sua saída do cargo, que desde o início do conflito Volodymyr Zelensky tentava que a Polônia se juntasse ao conflito e levasse consigo toda a Otan, tornando este conflito regional num conflito global. Estas afirmações aumentaram as tensões entre cidadãos polacos e ucranianos, criando um fosso ainda maior entre a opinião pública – que pretende o fim do apoio financeiro à Ucrânia – e os seus líderes políticos, que procuram a todo custo elevar a fasquia para um ponto em que o conflito será inevitável.
Porém, existe outra visão sobre a possível negatividade da opinião pública polaca acerca do conflito existente na Ucrânia. Para além do visível cansaço de mais de três anos de conflito, a Fundação Res Futura identificou uma rede de propaganda russa que usa as redes sociais para difundir um conjunto de narrativas de culpabilização da Ucrânia e/ou da própria Polônia pelos eventos sucedidos. A monitorização e análise dos dados revelou que 42% das reações online atribuíram a culpa desta sabotagem nos caminhos de ferro polacos à Ucrânia e 19% à própria Polônia. Se lermos as notícias polacas e ouvirmos os diversos políticos e analistas, percebemos que os mesmos atribuem esta e outras sabotagens ocorridas na Polônia a um “padrão russo”, recorrendo, na maioria dos casos, a cidadãos migrantes provenientes da Bielorrússia, Ucrânia, Geórgia e América Latina, sem ideologias políticas e com recursos financeiros limitados, sendo recrutados por aplicações de mensagens como o Telegram e pagos em dinheiro ou em criptomoedas.
Michał Piekarski, especialista em segurança pela Universidade de Wrocław, explicou à TVP World que a Federação Russa está a investir num modelo disperso de sabotagem, onde o grupo é “anónimo, intercambiável e resistente à infiltração” pelo facto de não conhecer o contexto nem as consequências dos seus atos. Inicialmente, é solicitada uma tarefa simples, como a deslocação de uma caixa de um ponto para outro, observar um determinado local, perturbar a sinalização ferroviária ou provocar pequenos incêndios. A maioria não sabe quem dá as ordens nem como as suas pequenas ações se inserem num plano maior e mais complexo. Este método torna o sistema barato e difícil de infiltrar e, se um dos sabotadores falhar ou for detido, é facilmente substituído com o mínimo risco para os organizadores.
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Com o país num estado de alerta elevado, e ainda sem uma confirmação das reais intenções dos sabotadores ou se estes pertenciam aos serviços de inteligência russos, o governo polaco avançou de imediato com represálias diplomáticas à Federação Russa, fechando o último consulado deste país na Polônia. Os cidadãos russos residentes na Polônia ficaram, assim, sem nenhum consulado onde possam tratar dos seus documentos, tendo somente a embaixada russa em Varsóvia. Esta embaixada é o último sinal de um possível canal de diálogo entre os dois países num período de elevada tensão.
Seja qual for o resultado, a Polónia tem sido o palco mais visível das tensões diplomáticas neste conflito, onde temos, por um lado, a Ucrânia a fazer de tudo para que a Polônia entre neste conflito e, por outro, um conjunto de ataques e sabotagens atribuídos à Federação Russa, com o objetivo de fragilizar a força europeia, criar divisão na opinião pública, bem como dificultar o fornecimento de armas e mantimentos à Ucrânia. No final de tudo, mesmo que um acordo de paz seja aprovado entre a Rússia e a Ucrânia, as relações diplomáticas não vão melhorar nas próximas décadas e podem mesmo levar a um novo conflito armado. Estamos oficialmente numa guerra morna.
Hugo Miguel Rufino Marques, engenheiro de migrações de dados, é licenciado em Planeamento e Gestão do território pela Universidade de Lisboa e mestrando em Relações Internacionais e Estudos Europeu pela Universidade de Évora. Mora em Varsóvia, na Polônia e é ex-presidente da Fundacja Portugalia, primeira fundação de apoio aos cidadãos portugueses na Polônia e países bálticos.



