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“O antissionismo não é uma crítica a Israel. O antissionismo é uma oposição à existência de Israel”
“O antissionismo não é uma crítica a Israel. O antissionismo é uma oposição à existência de Israel”| Foto: Pixabay

Um amigo me perguntou: o povo de Israel construiu um país altamente desenvolvido e civilizado em algumas décadas, certo? Por que eles não saem de lá, deixam os palestinos, beduínos, sunitas, xiitas, Hamas, ISIS, Hezbollah, todos os árabes e não árabes se matarem naquele deserto e fazem um novo Israel em outro lugar? É uma pergunta feita em boa-fé, sem nenhum resquício de antissemitismo, que talvez esteja na cabeça de muitos brasileiros.

Perguntas simples às vezes exigem respostas complexas, incluindo uma explicação sobre muitos vínculos materiais e imateriais que unem qualquer povo à sua terra. O Hino Nacional define o Brasil como nossa “mãe gentil” por sermos “filhos deste solo”. A Alemanha, Bélgica, Holanda, os países escandinavos, as nações eslavas e os povos bálticos também se referem aos seus países como “Father Land”: Pai Terra ou Pátria.  Enfim, a palavra “pátria” sugere uma relação familiar profunda e histórica entre uma porção de terra e os que nascem nela.

Entenda isso: se você ainda acha que há uma conspiração de judeus para dominar o mundo, você está sendo racista e antissemita.

Em 1851, em sua famosa carta, o chefe Seattle da tribo Suquamish perguntou ao presidente Pierce dos EUA, que queria comprar suas terras: “Como comprar ou vender o céu ou o calor da terra? Se não somos donos do frescor do ar e do brilho da água, como podemos comprá-los? Cada parte desta terra é sagrada para o meu povo”. O sagrado tem conexões com o que é histórico, mas também com o que é divino, em um sentido religioso e espiritual.

A conexão do povo judeu com sua terra tem sido sagrada por milênios. Mesmo depois de muitos séculos de exílio, judeus ainda rezam todo ano dizendo: “No ano que vem, em Jerusalém”. O governo israelense sempre entendeu que Israel é o berço das três “religiões Abraãmicas”: cristianismo, islamismo e judaísmo, e sempre respeitou e protegeu todos os locais sagrados que são visitados regularmente por peregrinos dessas três grandes religiões.  Por exemplo, Jesus era judeu e nasceu em Belém há dois mil anos. Muitos lugares sagrados presentes na Bíblia estão preservados por Israel. Em Jerusalém temos a cidade de Davi, o monte que contém a base do Templo de Salomão, a igreja do Santo Sepulcro, o monte das oliveiras; Cesareia onde o apóstolo Paulo teria sido preso, Nazaré, Massada, Tiberíades, Galileia, entre outros.

Se um grupo radical islâmico como o Hamas, Irmandade Muçulmana, ISIS ou Hezbollah tomassem a região eles teriam o mesmo respeito sagrado por outras religiões, ou destruiriam tudo? Já temos a resposta na destruição do patrimônio histórico de Palmiria (Síria), Nimrud e Nínive (Iraque), denunciados pela Unesco como “crimes contra a humanidade”.

A própria carta de fundação do Hamas não deixa dúvidas: “Os muçulmanos lutarão contra os judeus e os matarão, até que se escondam atrás de pedras e árvores”. O slogan do Hamas diz: “A Jihad (“guerra santa”) é o nosso caminho e a morte por Alá a nossa crença mais sublime”.  Com todo o respeito, não parece haver muito espaço para paz, diálogo e tolerância quando alguém se dispõe a matar ou a morrer por sua visão de Deus.

A mensagem central do islamismo radical é que a paz só existirá quando o mundo inteiro se submeter à visão deles – se os chineses e os russos deixarem, claro. Por isso o Hamas é considerado um grupo terrorista pelos EUA, União Europeia, OEA e até por países árabes como Bahrein e Emirados Árabes.

O mais surpreendente é que toda a esquerda mundial se organizou para apoiar o Hamas, até sem querer entender o que estão defendendo. E o que é ainda mais chocante: o Hamas e a morte de judeus sendo defendidos abertamente dentro de outrora respeitadas universidades americanas como Harvard, Penn, Columbia e MIT.

Quem passeia pelas ruínas do Fórum, em Roma, tem a oportunidade de ver em alguns segundos mais de 20 séculos de História. Quem se maravilha com os detalhes do Arco de Tito, perto do Coliseu, vê com clareza a representação de um imenso candelabro judaico roubado do Segundo Templo em Jerusalém no ano 70 D.C. e levado como parte dos despojos de guerra depois da destruição total da capital da Judéia pelas tropas romanas. Para consolidar sua vitória, os romanos passaram a chamar a Judéia de Filistina (Palestina), terra dos filisteus.

Com a destruição de Jerusalém e do Segundo Templo, a maioria dos judeus emigrou para outras regiões, vindo a formar ao longo dos séculos pelo menos três grandes grupos: judeus Sefarditas (na Espanha e Portugal), judeus Ashkenazi (na Europa Oriental: Rússia, Romênia, Polônia, Ucrânia etc.) e judeus Mizrahi (no norte da África e Ásia).

O problema é que se passaram muitos séculos sem que judeus fossem respeitados como cidadãos dos países para os quais migraram, devido ao antissemitismo: preconceito, hostilidade ou discriminação irracional contra judeus. O antissemitismo é uma forma de racismo. As Cruzadas, a Inquisição, as expulsões de vários países, os Pogroms (perseguições) e o Holocausto executado pelos nazistas são alguns exemplos terríveis.

Em 1894, um tenente-coronel do exército francês, Alfred Dreyfus, foi acusado de espionagem.  O jornalista austríaco Theodor Herzl, que estava em Paris acompanhando o julgamento, inicialmente achava que Dreyfus era culpado. Herzl era um judeu secular, não religioso, mas foi gradualmente percebendo que Dreyfus foi vítima de uma grande calúnia simplesmente por ser judeu. Depois de muitos anos de prisão e tortura, Dreyfus foi inocentado, mas Herzl percebeu que os judeus seriam sempre perseguidos se não tivessem uma pátria.

Em 1896 Herzl publicou o panfleto O Estado Judaico, onde promoveu a volta dos judeus para o seu “memorável lar histórico”. Esse movimento foi chamado de Sionismo, em homenagem ao local onde o rei Davi estabeleceu seu reino: Sião (Zion) é sinônimo de Jerusalém. É importante não confundir Sionismo com o mentiroso livro-fraude Os Protocolos dos Sábios do Sião um texto antissemita escrito por volta de 1903 na Rússia para justificar perseguições a judeus alegando uma “conspiração judaica para dominar o mundo”. Em 1921, o jornal londrino Times desmascarou Os Protocolos, apresentando provas conclusivas de que não passava de um "plágio grosseiro" cheio de mentiras.

Entenda isso: se você ainda acha que há uma conspiração de judeus para dominar o mundo, você está sendo racista e antissemita. Entenda que há judeus de todos os tipos: ricos, pobres, brancos, negros, asiáticos etc. Aproximadamente metade da população de Israel não é caucasiana (branca). Há 2 milhões de árabes vivendo em Israel com todos os direitos de cidadãos israelenses, incluindo políticos, juízes, médicos etc.

Devemos lembrar que Herzl viveu antes da Revolução Comunista na Rússia, antes das duas guerras mundiais e do Holocausto, antes da Revolução Cultural na China, da criação de uma teocracia no Irã e da expansão do radicalismo islâmico pela Europa. Naquela época, a região onde hoje fica Israel era parte do Império Otomano. Hoje Israel se transformou em foco geopolítico para uma guerra por procuração entre a civilização ocidental e os que competem com ela, como China, Irã, Rússia, radicais islâmicos etc.

Em sua visão para o Estado Judaico, Herzl esperava contar com a boa vontade do sultão na Turquia para ceder parte de seu território para a formação do novo estado. Depois da Primeira Guerra Mundial, com o fim do Império Otomano, a Palestina passou a ser controlada pela Grã-Bretanha. Até partes da Argentina e de Uganda chegaram a ser consideradas para acomodar um estado judaico. Em 1915, Chaim Weitzman (o futuro primeiro presidente de Israel), quando questionado por um membro da Câmara dos Lordes Britânica porque os judeus insistiam em Israel, respondeu: "Isso é como se eu perguntasse a você por que você dirigiu trinta quilômetros para visitar sua mãe no domingo passado, quando há tantas velhinhas morando na sua rua”. Com o fim da Segunda Guerra Mundial, a Grã-Bretanha se desinteressou pela Palestina e levou o assunto para a ONU em 1947.

Herzl faleceu em 1904 sem ver a fundação de Israel em 1948, após aprovação da Resolução 181 da ONU que decidiu pela partilha da Palestina – a chamada “solução de dois Estados”: um judeu e um árabe. A Liga Árabe não aceitou a partilha e invadiu Israel com os exércitos do Egito, Jordania, Síria, Líbano e Iraque. Perderam a guerra, na qual morreram mais de 16 mil israelenses para defender seu recém-criado país e mais de 3000 anos de história judaica na região. Os refugiados dessa guerra se estabeleceram principalmente na Cisjordânia e na faixa de Gaza. Hoje são chamados de “Palestinos”.

Ainda há muitas perguntas sem resposta. Se a Jordânia dominou a Cisjordânia de 1948 até 1967 e o Egito dominou Gaza no mesmo período, por que não criaram um Estado Palestino? Por que palestinos/Hamas preferiram transformar Gaza em uma rede de túneis militares para atacar Israel em vez de desenvolver um país melhor para seus habitantes, em paz com seus vizinhos? Por que destruíram a infraestrutura deixada por Israel quando a faixa de Gaza foi devolvida em 2005?

Hoje há paz entre Israel, Egito e Jordânia depois de mais duas difíceis guerras nas quais a destruição de Israel foi planejada como surpresa, mas acabaram fracassando: a “Guerra dos Seis Dias” em 1967 e a “Guerra de Yom Kippur” em 1973.  Espero que agora meu amigo entenda um pouco melhor que o povo de Israel vive onde vive não por pura teimosia ou comodidade, mas por razões profundamente sofridas, históricas e sagradas.   

Jonas Rabinovitch é arquiteto urbanista com 30 anos de experiência como Conselheiro Sênior em inovação e gestão pública na ONU em Nova York.

Conteúdo editado por:Jocelaine Santos
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