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Eleição municipal de 2020 deixa lições para a disputa presidencial de 2022.
Praça dos Três Poderes, em Brasília.| Foto: Marcos Correa/PR

O Estado brasileiro não é ignorado e, muito menos, desejado, amado ou admirado pelos seus cidadãos. Ele é simplesmente – e em grande parte – visto como um instrumento de opressão contra os seus forçados partícipes. Os patrícios, portanto, em sua ampla maioria, não reconhecem o Brasil como uma verdadeira nação, pelo menos na acepção correta do vocábulo epigrafado.

Muito pelo contrário, encaram o Estado como uma entidade constituída apenas e tão somente para retirar de forma arbitrária e desmedida as suas riquezas, através dos mais diversos tipos de expediente, desde técnicas elementares de tributação até os mais variados e inventivos meios coercitivos, incluindo toda a sorte de modalidades de multas. Tudo, enfim, para fazer valer – sob a ótica destes autênticos “contribuintes compulsórios” –, o bem-estar dos políticos e da classe governante.

Vivemos sob um Estado repressor, cartorário e que está constantemente a exigir uma obediência cega a uma normatividade completamente divorciada dos ideais de seu próprio povo.

O cidadão, por efeito, confunde – no que difere das sociedades nacionais verdadeiramente reputadas nesta categoria, como os Estados Unidos e grande parte dos países da Europa Ocidental –, a figura do Estado com a sua faceta governamental e, mais do que isso, o governo com os seus integrantes, muitas vezes envolvidos em grandes escândalos de corrupção.

Não enxergam o país como uma legítima instituição que lhes serve mas, ao reverso, a percebem como uma entidade que, das mais variadas formas, os obriga a servi-lo, subtraindo suas escassas riquezas e o próprio fruto de seu trabalho. E isso mesmo em situações em que o Estado procura se apresentar, de alguma forma, como prestador de serviços, supostamente propiciando educação e saúde públicas.

A permanente ausência de vagas nas unidades escolares e as intermináveis filas para o atendimento na rede pública de saúde desmoralizam por completo a ideia romântica do Estado brasileiro como verdadeiro prestador de serviços públicos, disposto a servir ao cidadão, em lugar de servir-se do mesmo. É a própria prática cotidiana, observada por seus nacionais, que reforça, desta feita, a noção amplamente difundida no seio social brasileiro de um Estado que nada fornece ao cidadão, mas, ao contrário, tudo lhe retira, através dos mais variados expedientes normativos e de outras tantas modalidades.

Em última análise, vivemos sob um Estado repressor, cartorário e que está constantemente a exigir de seus “discípulos” uma obediência cega a uma normatividade completamente divorciada dos ideais de seu próprio povo, ainda que venha travestido de uma roupagem amenizadamente democrática. Mudar essa concepção, tão arraigada em nossa consciência, certamente não é tarefa de todo impossível, mas, em um contexto de efetiva realidade, é missão de muitas gerações. Isso porque essa percepção sobre o Estado, comum a quase totalidade dos cidadãos brasileiros, não deixa de ser, em grande medida, absolutamente verdadeira.

Reis Friede é desembargador federal, mestre e doutor em Direito e professor da Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro (UNIRIO).

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