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| Foto: Zack Wittman/Bloomberg

Eu lido com um problema crônico que nós, do setor de seguros, há séculos tentamos, mas não conseguimos solucionar: é a chamada negação.

Estou me referindo à aparente recusa inerente da mente humana em avaliar a gravidade do potencial de um desastre antes que ele aconteça. É essa nossa inclinação à negativa que nos estimula a jogar dados, comprar raspadinhas, dirigir em alta velocidade, pular de penhascos, comer comida gordurosa, ignorar os fundos de pensão e, no geral, a nos arriscarmos demais.

Deixamos a bateria dos detectores de fumaça vencer. Construímos casas nos mesmos baixios em que as anteriores foram destruídas. Quando um furacão monstruoso como o Michael nos atinge, tem quem ignore as ordens de evacuação, achando que só a coragem vai ajudar a superá-lo. Toda vez é a mesma coisa.

Vemos a negação em ação no nível macro também: empresas internacionais que confiam em parceiros de alto risco e veem a cadeia de suprimentos se espatifar; apagões que duram semanas porque ninguém se deu ao trabalho de montar uma infraestrutura resistente; arranha-céus que viram pó porque têm isolamento à prova de fogo, mas não sprinklers automáticos.

No geral, as pessoas não respeitam a força do potencial de desastres e, consequentemente, não fazem planos adequados para eles.

O ser humano, quando se safa, se expõe mais ainda. Quando perde, aprende. Mas só aprende quando perde

Alguns colegas fizeram uma pesquisa sobre essa questão da negação há um tempo. 96% dos executivos financeiros que entrevistaram disseram que suas operações estão expostas a catástrofes naturais, como furacões, enchentes e terremotos; entretanto, menos de 20% afirmaram que suas empresas tinham uma “grande preocupação” com a possibilidade de esses desastres afetarem seus lucros.

A verdade é que a negação é esperança em excesso. Em um relatório que publicamos em 2010, Flirting with Natural Disasters, descrevemos, por exemplo, a Falácia do Apostador – o conceito errôneo que reza que um evento recém-ocorrido afetará o que vem em seguida, mesmo que não haja relação entre eles. Por exemplo, se ao jogar uma moeda nove vezes ela der nove vezes cara, a probabilidade ainda se aplica – ou seja, na décima, continuo tendo 50% de chance de dar cara de novo. Pela mesma linha de raciocínio, não há base objetiva para crer que as Carolinas não verão outro furacão como o Florence, este ano ou no próximo.

Também ressaltamos outras facetas da negação: uma pessoa consegue ter um número limitado de preocupações que, geralmente, não incluem possibilidades remotas como desastres naturais. É mais fácil e interessante pensar no prazer em curto prazo que nas consequências futuras. É fácil, mas errado, misturar a inevitabilidade de uma catástrofe natural com a da vida e da perda de propriedade. O pessoal acha que o seguro as ressarce de tudo (se você pensa assim, pergunte para algum empresário que teve problemas e perdeu mercado para concorrentes mais bem preparados se ele recebeu algo por isso). Além disso, a maioria prefere seguir os outros, institucionalizando assim a prática da negação.

Leia também: As águas de março e os desastres do bem (artigo de Marcia Marques, publicado em 5 de abril de 2018)

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Para tentar tirar as pessoas desse estado, meus colegas e eu contamos casos verdadeiros para quem quiser ouvir. E procuramos descrever a questão das probabilidades assim: a “enchente do século” não ocorre a cada 100 anos; de fato, tem 1% de chance de acontecer todo ano.

E aí, já começou a se preocupar? Talvez não. É por isso que o ser humano continua a se arriscar. E, quando se safa, se expõe mais ainda. Já, pelo contrário, quando perde, aprende. Infelizmente, porém, é só assim que isso acontece.

Dada essa condição, sugiro que nós, que trabalhamos com gerenciamento de desastres/seguros, tentemos algo novo. É preciso encontrar uma maneira de fazer as pessoas enfrentarem os desastres sem ter de passar por eles. É o que chamamos de “pré-experiência de catástrofe”. Já estamos experimentando a técnica com clientes e interessados. Criamos incêndios controlados em galpões de seis andares e explosões de verdade; simulamos furacões, cheias, ataques cibernéticos. Temos uma plataforma que reproduz os solavancos de um terremoto e mostra a violência e a imprevisibilidade com que um prédio se movimenta, e chega até a girar, quando o solo se move. Nossos visitantes sentem na pele o calor das chamas; se apavoram ao ver objetos voando, levados pela ventania incessante; absorvem o impacto de uma explosão. E, quando vão embora, parecem convencidos da verdade.

Precisamos promover esse tipo de entendimento de forma mais ampla, chegar aos moradores e comerciantes das comunidades mais vulneráveis, aos locais que enfrentam ameaças de furacões, tornados, terremotos, cheias e incêndios florestais. Nas escolas, é preciso levar os desastres e as histórias de negação às aulas abordando os aspectos da física, da psicologia da ciência terrestre, da engenharia, das finanças, estatísticas e noções de construção. Precisamos encontrar formas de transmitir as histórias de gente que sofreu por causa de sua negativa, e sobreviveu porque acabou tomando as devidas precauções e se protegendo de maneira adequada.

Se as pessoas não respeitam a força do potencial de desastres, não fazem planos adequados para eles

As comunidades de alto risco deveriam convocar engenheiros, bombeiros e socorristas para explicar tudo o que pode falhar, ser levado, congelar, apodrecer, entrar em curto, explodir, despedaçar-se, ruir ou queimar. “Está vendo essas fotos de casamento?”, poderão dizer; “melhor já jogar no riacho”. Ou: “O seu carro antigo? Vai virar um barco que não flutua”. Ou, para o executivo de uma companhia de fornecimento básico: “A sua estação de energia? Que Deus a proteja de uma tempestade”.

E os governos e companhias de seguro deveriam compartilhar as previsões assustadoramente precisas que recebem dos gigantescos volumes de dados recolhidos. Na minha empresa, por exemplo, podemos identificar o centro de dados de uma multinacional que tem mais chances de ficar inundado em caso de enchentes.

Em outras palavras, devemos usar o poder da análise preditiva e levá-la àqueles que vivem em áreas de risco, mesmo que neguem o fato. Todas essas informações – a tal da pré-experiência de catástrofe – ressaltariam a necessidade premente de nos concentrarmos na prevenção e no reforço da resiliência contra ameaças que são mais fáceis de serem ignoradas ou negadas.

Quem já passou por uma catástrofe entende o poder destrutivo que ela tem sobre a vida, a comunidade e os negócios; descobre que o caos é geralmente pior do que imaginava e dura mais do que esperava; percebe que a vulnerabilidade é uma escolha, como também são a prevenção e o reforço contra ameaças em potencial. Quando conscientes, essas pessoas preferem identificar os riscos que enfrentam e lidar com eles diretamente.

Já outras preferem ignorar os alertas padrão. Quem sabe, se passassem pela pré-experiência de catástrofe, pudessem ouvi-los e tomar as devidas precauções?

Malcolm Roberts é vice-presidente executivo da FM Global, uma das maiores seguradoras comerciais e de propriedade industrial do mundo.
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