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Primeira infância sem gestação? O retrocesso do novo decreto de Lula na defesa da vida

Aborto governo Lula
O governo Lula lançou a Política Nacional Integrada da Primeira Infância (PNIPI), sem citar proteção desde a gestação (Foto: Ricardo Stuckert/PR)

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A primeira infância é, sem dúvida, uma das fases mais determinantes para o desenvolvimento humano. É nesse período que se estabelecem vínculos afetivos, que a saúde precisa ser acompanhada com mais cuidado e que a proteção da família e da sociedade deve se tornar prioridade absoluta. O Brasil, em 2021, havia dado um passo importante ao reconhecer que essa proteção começa desde a gestação. Porém, em agosto de 2025, o governo Lula revogou esse marco e instituiu uma nova política nacional que, ao omitir o nascituro, representa um grave retrocesso na defesa da vida desde a concepção.

O Decreto 10.770/2021 instituiu a Agenda Transversal e Multissetorial da Primeira Infância, com uma definição clara: “[...] promoção dos direitos das crianças, desde a gestação até os seis anos de idade completos.” (art. 1º). Essa redação não era apenas simbólica, mas revelava uma convicção de que a vida em formação merece amparo do Estado desde o ventre materno.

Além da definição, o decreto previa políticas concretas: atenção integral à gestante, oferta de pré-natal adequado, parto humanizado, prevenção de anomalias congênitas, acompanhamento de gestações de risco e fortalecimento de vínculos familiares. Havia ainda dispositivos para apoiar mães que optassem pela entrega do filho em adoção, garantir exames neonatais, estimular o aleitamento materno e promover a saúde integral da mãe e da criança. Em resumo, tratava-se de um marco regulatório que reconhecia juridicamente o nascituro como sujeito de direitos, alinhando o Estado brasileiro ao princípio constitucional da dignidade da pessoa humana.

Com o Decreto 12.574/2025, o governo Lula instituiu a chamada Política Nacional Integrada da Primeira Infância (PNIPI). Embora mantenha uma linguagem de proteção à infância, há uma mudança essencial: desaparece qualquer menção à gestação ou ao nascituro. No lugar disso, o texto afirma que “a PNIPI atenderá à primeira infância em sua diversidade e considerará as interseccionalidades socioeconômicas, territoriais e regionais, étnico-raciais, de gênero e de deficiência” (art. 1º, §2º). Ou seja, o foco desloca-se da proteção integral da vida em formação para uma agenda marcada por categorias sociais e identitárias.

Se o Estado não reconhece o bebê no ventre como sujeito de direitos, cria-se uma escala de dignidade humana, onde apenas alguns são considerados dignos de proteção. Isso contraria o princípio constitucional da inviolabilidade da vida e fere valores universais

Outra alteração significativa é a coordenação da política. Antes, havia protagonismo do Ministério da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos, o que reforçava a centralidade da pauta pró-vida e pró-família. Agora, a política é coordenada pelo Ministério da Educação, enquanto o Ministério dos Direitos Humanos assume parte da condução, evidenciando uma mudança de prioridades.

A exclusão da gestação não é um detalhe. É um rompimento simbólico e jurídico com a ideia de que a vida deve ser protegida desde a concepção. Sem essa referência, o nascituro deixa de ser reconhecido como parte da primeira infância, e as políticas públicas se concentram apenas após o nascimento. Perdem-se também o reconhecimento da família como núcleo de proteção; a prioridade do nascimento seguro e da saúde materno-infantil como política nacional; medidas específicas de apoio à gestante, à adoção responsável e à integração entre saúde e assistência social em favor da mãe e do bebê.

O que antes era uma agenda de defesa da vida e fortalecimento da família transforma-se em uma política mais burocrática, com forte viés ideológico, mas sem o mesmo compromisso com o início da existência humana.

As mudanças introduzidas pelo Decreto 12.574/2025 não são apenas de forma, mas de conteúdo. Ao retirar qualquer referência à gestação, o governo federal sinaliza que a criança só merece proteção depois do nascimento, ignorando o período mais crítico de sua formação. Essa omissão, embora sutil, tem peso simbólico e jurídico. Ela fragiliza a proteção do nascituro e abre espaço para que propostas de flexibilização do aborto avancem com maior legitimidade política.

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Do ponto de vista ético, há um retrocesso ainda mais grave. Se o Estado não reconhece o bebê no ventre como sujeito de direitos, cria-se uma escala de dignidade humana, onde apenas alguns são considerados dignos de proteção. Isso contraria o princípio constitucional da inviolabilidade da vida e fere valores universais de justiça. Politicamente, a substituição da pauta da vida por uma agenda centrada em “interseccionalidades” desloca o foco daquilo que deveria ser inegociável, o direito de existir, para debates identitários que não podem ocupar o lugar da defesa da vida em sua raiz. Assim, o Brasil deixa de avançar em políticas materno-infantis e adota uma perspectiva que relativiza o valor da existência.

O novo decreto não pode ser visto como uma simples reorganização administrativa. Ele representa uma mudança de paradigma: a vida antes do nascimento deixou de ser prioridade do Estado brasileiro. Ao excluir a gestação do conceito de primeira infância, o governo Lula não apenas omite o nascituro, mas rebaixa a proteção da fase mais vulnerável da vida humana.

Diante disso, cabe à sociedade civil, às igrejas, aos educadores e aos parlamentares levantarem a voz. Defender a vida desde a concepção não é privilégio de um grupo religioso, mas um compromisso civilizatório. É nesse ponto que se define o caráter de uma nação: proteger os indefesos ou abandoná-los ao silêncio jurídico.

O Brasil precisa reafirmar que toda vida importa, desde aquela no ventre materno, durante a gestação, até a velhice. Se não formos capazes de garantir dignidade ao ser humano em seus primeiros instantes, perderemos a base para defender qualquer outro direito. O desafio que se impõe é claro: resistir ao retrocesso e reconstruir uma cultura de vida que valorize cada criança, cada gestante, cada família.

Ramon de Sousa Oliveira é pastor presbiteriano e autor do livro “O Valor da Vida”.

Conteúdo editado por: Jocelaine Santos

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