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Reprovação, autoritarismo e exclusão

O horário eleitoral gratuito colocou no ar, mais uma vez, a discussão de uma importante questão do sistema de aprovação para os alunos do ensino fundamental: a promoção automática. Entretanto, os interesses eleitoreiros passam, como sempre, ao largo da essência da questão, utilizando, de forma demagógica, um ponto bastante importante da reforma educacional. Acredito que é possível criticar, mas sem esquecer os aspectos positivos que estão inseridos nessa sistemática. Nada como reler as ideias do grande pedagogo brasileiro Paulo Freire, que foi secretário da Educação no município de São Paulo. Para ele, o sistema de seleção e avaliação é cruel e leva à exclusão social; além disso, reforça o caráter autoritário do professor como detentor do conhecimento. Ao perder o poder de reprovar alunos e excluí-los da escola, o corpo docente é uma das primeiras vozes a engrossar a crítica ao modelo.

Leia a opinião completa de Renato Ladeia, professor de Administração do Centro Universitário da FEI.

Que a educação brasileira precisa de mudanças é algo indiscutível, mas discutíveis são as reformas e políticas estabelecidas, muitas vezes com caráter efêmero, e que não incluem a participação dos professores nessas propostas. Com relação à progressão continuada, isso se refere principalmente ao conceito de avaliação e, consequentemente, reflete sobre outras concepções, como por exemplo: conhecimentos (escolares), métodos, currículo, ou seja, tudo que está direta ou indiretamente relacionado com o processo educativo. Digo isso por que questiono se ao instalar uma política de progressão continuada nos sistemas de ensino, os envolvidos têm a real compreensão de seu significado e das demandas necessárias.

Antes de mais anda, é preciso observar se os currículos estabelecidos têm como objetivo o desenvolvimento de competências e habilidades que possibilitem ao aluno a posição ativa de construtor do seu conhecimento e que a escola seja um espaço de atitude ativa do sujeito da aprendizagem, o aluno.

Certamente, o que afirmei antes pode ser considerado como "chover no molhado", pois muitos outros educadores já têm dito o mesmo, mas, o que ressalto é que a progressão continuada exige atitudes e entendimentos diferentes do que se tem hoje por parte do Estado, da família, da escola e também dos professores sobre reprovação e aprovação.

Do Estado, se requer acompanhamento, apoio e a instituição de mecanismos que possam favorecer a progressão dos alunos com a construção de competências e habilidades necessárias à atuação do sujeito na sociedade. E, principalmente, processos de formação de professores capazes de favorecer a construção de um significado coerente de ensino, de aprendizagem, de currículo e de avaliação.

À família, compreende o papel de parceria e de corresponsável pela aprendizagem dos seus filhos. Exige-se dela também uma mudança na compreensão do papel da escola e dos professores na formação dos alunos. Posso afirmar que muitas famílias atribuem toda a responsabilidade da aprendizagem dos alunos e, da mesma forma, a reprovação à escola. Observo que muitas vezes há apenas preocupação se o aluno foi retido ou não num mesmo ano e, raramente, com o que ele aprendeu. Acredito que isso se deve ao fato da maléfica impressão de que, principalmente no ensino público, "não se reprova"!

A progressão continuada vai exigir dos professores uma percepção progressista no sentido freiriano. Exigirá uma reflexão sobre a sua forma de ensinar e sobre o fato de que muitos alunos não aprendem. Nesse sentido, entendo que seja necessário um processo que envolva diretamente os professores na implantação da progressão continuada. Digo isso para que não ocorra algo semelhante ao que, por exemplo, aconteceu com o Ciclo Básico de Alfabetização e com a Correção de Fluxo no Paraná. Não eram propostas ruins, mas faltou formação aos docentes para que pudessem se apropriar dos princípios e dos objetivos pretendidos.

Quero ressaltar que não considero a progressão continuada inadequada, mas que sua implementação vai exigir muito, e quando digo muito não me refiro somente aos dirigentes educacionais, mas à toda sociedade. Vai exigir uma mudança no entendimento, na organização dos sistemas de ensino, dos currículos e da escola, principalmente no que diz respeito em ser um local de construção e não de reprodução de conhecimentos.

Reginaldo Rodrigues da Costa, doutor em Educação e professor de Fundamentos da Aprendizagem e Metodologias de Ensino de Ciências e Matemática da Pontifícia Universidade Católica do Paraná, é professor da rede pública estadual de ensino do Paraná.

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