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| Foto: Robson Vilalba/Thapcom

No Brasil, os homens que mantêm relação sexual com outros homens, bem como as parceiras sexuais destes, são proibidos de doar sangue, se mantiveram tais relações nos últimos 12 meses. Isso é previsto no artigo 64, IV, da Portaria nº 158/2016 do Ministério da Saúde e no artigo 25, XXX, “d”, da Resolução nº 34/2014 da Diretoria Colegiada da Anvisa. A justificativa para essa vedação é o risco de contágio do HIV, que seria maior entre homens que se relacionam sexualmente com outros homens.

Essa proibição está sendo questionada no Supremo Tribunal Federal, por meio da Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 5.543, cujo relator é o Ministro Luiz Edson Fachin, que proferiu o seu voto considerando inconstitucionais os mencionados dispositivos regulamentares, assim como o fizeram os Ministros Luís Roberto Barroso, Luiz Fux e Rosa Weber. O julgamento foi suspenso, em razão de pedido de vistas formulado pelo Ministro Gilmar Mendes.

Não é uma verdade absoluta que há uma proporção maior de infectados pelo HIV entre homens que fazem sexo com outros homens

Vale frisar que, a princípio, na medicina não há unanimidade a respeito do assunto. Ou seja, não é uma verdade absoluta que há uma proporção maior de infectados pelo HIV entre homens que fazem sexo com outros homens nem que o risco de estes contraírem o vírus é maior, tanto que o próprio Ministério da Saúde, no artigo 1º, § 5º, da Portaria nº 1.353/2011, previu expressamente que: “A orientação sexual (heterossexualidade, bissexualidade, homossexualidade) não deve ser usada como critério para seleção de doadores de sangue, por não constituir risco em si própria.” Portanto, o próprio órgão que atualmente proíbe que homens que fizeram sexo com outros homens doem sangue já reconheceu que isso não pode ser um critério para a seleção de doadores; a contradição é evidente, o que demonstra a falta de consenso sobre a questão inclusive entre os profissionais da área.

Outra questão que parece controversa é se o período de 12 meses de fato tem fundamento científico consolidado, se todos os avanços da ciência desde o surgimento do HIV não permitem que se constate a presença do vírus em um período inferior a esse, ou seja, se não seria possível exigir-se uma janela imunológica menor, de 90 dias, por exemplo, que, segundo estudos, são suficientes para esse fim, e impor a observância dessa exigência a todos, e não só àqueles que fazem sexo com outros homens, considerando que qualquer pessoa que faça sexo sem se proteger pode contrair o vírus. Em outras palavras, em vez de se buscar saber se homens que fazem sexo com outros homens têm, ou não, maior risco de contrair o HIV, não seria uma solução mais coerente ater-se ao período necessário para se constatar o contágio do vírus e impor o respeito a esse período à população em geral, ressalvada a parcela dela que mantém relações sexuais com um único parceiro e de forma protegida?

A prioridade é a saúde: A proteção do paciente em primeiro lugar (artigo de Marina Malacarne coordenadora do Serviço de Infecção Hospitalar do São Bernardo Apart Hospital e Hélio Angotti Neto coordenador do curso de Medicina da Unesc)

Assim, se for constatado que o critério adotado pelo Ministério da Saúde e pela Anvisa toma como premissa a orientação sexual em vez da conduta dos candidatos a doadores, se usam preservativo e não se relacionam sexualmente com uma gama elevada de pessoas, por exemplo, o STF não estará se imiscuindo na competência do Poder Executivo nesse caso ou adentrando em análises científicas que fogem de sua alçada, mas sim exercendo a sua função institucional de garantir o cumprimento da Constituição, sobretudo do seu artigo 5º, que prevê a igualdade de todos perante a lei.

Ademais, isso certamente violaria um dos fundamentos da República Federativa do Brasil, qual seja a dignidade da pessoa humana (artigo 1º, III, da Constituição), pois se trataria de um evidente desrespeito para com aqueles que mantêm relações sexuais com pessoas do mesmo sexo a proibição de serem solidários, de contribuírem para a sociedade na qual estão inseridos, além do fato de que, sem um efetivo consenso científico, tal proibição pode ser interpretada como um nefasto preconceito, de que homens que se relacionam com outros homens necessariamente seriam promíscuos e por isso apresentariam um risco maior de contrair o HIV.

Rodrigo Cunha Ribas é advogado atuante no direito empresarial e no direito do consumidor.
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