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Imagem ilustrativa.| Foto: Marcelo Andrade/Arquivo/Gazeta do Povo

Neste exato momento, você está girando a cerca de 1.656 km/h – a velocidade aproximada da Terra em seu movimento ininterrupto de rotação – e “flutuando” em um abismo espacial cuja profundidade é imensurável. A gravidade não permite que você se sinta assim, mas fatos não se rendem a sensações. Apesar das constituições nacionais, dos avanços tecnológicos e das apólices de seguro, ainda estamos em um planeta que gira velozmente, sem nenhum cabide visível para impedi-lo de “cair” e espatifar seus 7 bilhões de habitantes a qualquer momento.

“Mas pelo menos eu tenho dinheiro no banco”, poderá pensar o materialista. É melhor girar e flutuar com algumas garantias, não é mesmo? No entanto, nosso complexo e seguro sistema bancário não é tão complexo e seguro assim. Suponhamos que o saldo atual de sua conta corrente seja de R$ 1 mil. O leitor já parou para pensar que não existem dez cédulas de R$ 100 armazenadas em uma gaveta etiquetadas com o seu nome?

Quando realizamos um PIX, não há uma transferência física de cédulas de um banco para o outro. Os números que aparecem no aplicativo do seu banco favorito são apenas um símbolo virtual. Caso amanhã pela manhã todos os correntistas de um banco decidam ir pessoalmente à agência sacar todo o seu dinheiro, a instituição entrará em colapso. Ela simplesmente não possui em mãos aquilo que todos os seus clientes julgam estar guardado lá.

Engana-se, portanto, aquele que pensa que a moeda local é o alicerce sobre o qual repousa a economia de um país. Existe uma moeda universal muito mais poderosa, e é ela que impede que peguemos paus e facas para defender o nosso quintal. Essa moeda chama-se confiança. É a confiança de que não estamos vivendo um apocalipse zumbi, de que o dinheiro “armazenado” na conta está a salvo e de que amanhã será outro dia que nos impede de destruir aquilo que chamamos de vida em sociedade.

O giro veloz e imperceptível está para a Terra assim como a confiança está para os terráqueos. Ela é a cartolina sobre a qual repousa o elefante, e é a sua “firmeza frágil” (ou, se preferirem, “fragilidade firme”) que torna os ataques contra ela tão vis. O ataque à confiança do indivíduo não nasce com o objetivo de fazê-lo sacar todo o seu dinheiro, construir um bunker no quintal de casa e jogar fora o celular, mas pode levá-lo a atitudes aparentemente menos radicais, mas igualmente corrosivas.

O ataque à confiança mata a criatividade, a produtividade, o bom senso e aquela que é a mais básica e necessária das expectativas: a de que o sol nascerá novamente amanhã, trazendo consigo novos problemas, mas também novas oportunidades.

Quando, no entanto, a narrativa dominante é de que pessoas estão caindo mortas nas ruas, um governo nazifascista está no comando do país, e Guilherme Boulos (!) representa a luta pela democracia, o bunker já não parece mais ser uma ideia tão radical assim.

A Bíblia registra, já no livro de Gênesis, o impacto da perda da confiança sobre o mercado local ao narrar um dos primeiros embates entre Jacó e Esaú, dois irmãos gêmeos que, apesar de terem dividido o mesmo ventre, pareciam não ter mais nada em comum. Esaú era o filho mais velho e possuía o direito de primogenitura. À época, isso equivalia a dizer que ele herdaria todas as propriedades do pai e ficaria no comando da família. Em um belo dia, Esaú estava esgotado após ter caminhado pelo campo e viu seu irmão Jacó cozinhando um apetitoso ensopado de lentilhas. Faminto, ele implorou por um pouco de comida. O malicioso Jacó concordou em oferecer-lhe um pouco, mas em troca do direito de primogenitura. Uma proposta absurda, é claro. Quem, em sã consciência, trocaria um direito inalienável por um prato de sopa? A resposta de Esaú, no entanto, é reveladora: “Disse Esaú: ‘Estou quase morrendo. De que me vale esse direito?’” (Gênesis 25,32).

Eis o poder da confiança. Afinal, quando pensamos que estamos morrendo, o futuro parece não mais importar. Trocamos direitos por lentilhas. Trocamos a liberdade pela “proteção”. Trocamos a vida por uma miragem, e o passeio à beira-mar com a família começa a se parecer com uma atitude genocida. Se estamos quase morrendo, do que nos vale a coerência? Se Esaú cresse na promessa liberada pelo próprio Deus acerca de seu futuro no capítulo anterior, seu sistema de valores seria diferente.

A triste verdade é que não precisamos perder tudo que está no banco para empobrecermos. Se pararmos de confiar que os giros da Terra são seguros, já seremos os mais miseráveis de todos os homens.

Arthur Vivaqua é pastor, teólogo e consultor de estratégia e marketing aplicados à Educação.

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