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Benett

Como eu era antes de você é um dos sucessos de bilheteria deste meio de ano. Com um excepcional casal de atores nos papéis principais, uma trilha sonora cativante e a promessa de uma história de amor avassaladora, não é difícil saber o motivo. Mas esse não é um blockbuster qualquer. Como eu era antes de você, com sua embalagem leve e fofa, apresenta uma representação bem problemática de temas como o suicídio assistido e a deficiência.

Will Traynor é um jovem e bem-sucedido homem de negócios, tão rico quanto atraente. Quando ele acaba paralisado devido a um acidente, seus pais contratam Louisa Clark, uma garota da região, com muito potencial, mas sem muitas possibilidades de carreira. Ela percebe rapidamente que está lá não apenas para cuidar de Will, mas principalmente para ajudá-lo a se apaixonar novamente pela vida – a vida na qual ele quer colocar um fim.

Você pode contar nos dedos do meu pé esquerdo os filmes feitos nos últimos dez anos cujos protagonistas são pessoas com deficiência. Este é um deles. Um homem bonito, mas angustiado, que está em uma cadeira de rodas.

Fica a impressão de que a capacidade de andar é uma condição sine qua non para viver uma vida plena

As representações que vemos na literatura e nos filmes são muito importantes. Somos seres que processam o mundo por meio de histórias, e adquirimos recursos para seguir de forma mais efetiva pela vida através das lições aprendidas com as histórias alheias. Pelas histórias, tomamos consciência das alegrias e desafios daqueles que têm experiências de vida muito diferentes das nossas. As histórias nos ajudam a perceber que não estamos sozinhos no mundo. Às vezes, podemos ver nos personagens e suas experiências o nosso reflexo, e pensar “é bom ser eu mesmo”.

Mas e se a única representação da sua identidade que você vê na telona proclama em alto e bom som que não é bom ser você mesmo? E se uma das raras histórias que você vê protagonizadas por um homem paralisado tem seu ápice em um suicídio romantizado?

Como eu era antes de você termina com as palavras de Will, depois de ter tirado a própria vida, pedindo que Louisa viva com gosto, com audácia. Antes, no filme, ele já lhe havia dito que “é sua obrigação viver sua vida tão intensamente quanto for possível”. Essa mensagem inspiradora, no entanto, contradiz o caminho que ele escolhe trilhar. Como podemos concluir qualquer outra coisa, a não ser que a capacidade de andar é uma condição sine qua non para viver uma vida plena, gratificante, que vale a pena? Como eu era antes de você não oferece um personagem com deficiência que faça o contraste. O filme não dá pistas sobre o que é viver uma vida plena quando as circunstâncias mudam radicalmente – algo que tantas e tantas pessoas fizeram e seguem fazendo todo dia.

Quando esse tipo de questões surge na cultura popular, temos uma chance maravilhosa de enfrentá-las e desafiar aquelas afirmações que repousam entre finais comoventes e trilhas sonoras bacanas. Viver intensamente pode significar muitas coisas diferentes para muitas pessoas diferentes, e limitar dessa forma a noção do que é uma vida que vale a pena ser vivida é perturbador.

Emily Murtagh é pesquisadora associada do Conselho Escocês de Bioética Humana. Tradução: Marcio Antonio Campos.
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