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Quatro anos da CLT repaginada

Imagem ilustrativa. (Foto: Albari Rosa/Gazeta do Povo)

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A velha CLT do ano de 1943, nascida na ditadura Vargas, adolesceu, amadureceu e envelheceu servindo a todos os governos da República – de Gaspar Dutra a Dilma, sem exceção, passando assim resoluta, inclusive pela ditadura militar –, tendo sobrevivido a três Constituições (1946, 1967 e 1988). Daqui a dois anos, fará 80 anos, ainda como marco regulatório de uma relação, empresa e empregado, marcada pela reinvenção constante. A CLT ainda regula o trabalho em “radiotelegrafia” e só há pouco regrou o “teletrabalho”.  É um texto jurássico para gerações de pessoas jurídicas e físicas, millennials ou “Z”.

Para a surpresa de todos, em um ambiente institucionalmente esgarçado, com um Executivo (Temer) e Legislativo (Eunício e Maia) desacreditados e acuados e com um Judiciário (STF e TST) ativíssimo, acabou vindo a lume a mais inesperada, extensa e funda revisão da CLT, a partir de uma anêmica proposta (meia dúzia de itens) do Executivo, que o Congresso Nacional aproveitou para, em menos de seis meses, reescrever a CLT. A Lei 13.467, de 13 de junho de 2017, veio para modificar notavelmente a CLT. E, passados quatro anos da sua edição (pois a vigência ocorreu em novembro de 2017, o que se pode constatar?

Os que a maldisseram erraram. As associações dos juízes do trabalho (Anamatra) e procuradores do trabalho (ANPT), de modo apriorístico, ou seja, sem experimentação, sentaram a pua e, sem cerimônias, apresentaram 125 “enunciados” – sim, uma centena e um quarto de outra centena – para dizer à cidade e ao mundo que o Brasil não respeitava as convenções da OIT e a sua Constituição Federal. Agiram como bumbo; ressoaram, mas vazios por dentro. A propósito, no mês passado, o Brasil deixou a short list da OIT que arrola os países que afrontam as suas convenções. O assunto teria passado batido, não fosse um artigo escrito por um juiz do Trabalho lotado no TRT da 1.ª Região, Otávio Torres Calvet, e alguns poucos registros em jornais. Ou seja, quando convém, as associações de classe usam às largas a mídia. Quando não lhes convém, elas se recolhem no “autocancelamento”. Antes bumbo, agora flauta doce.

E as ações diretas de (in)constitucionalidades que estão no STF? O STF, em um julgamento, de relatoria do ministro Fachin, que ficou vencido, julgou duas dezenas de uma só vez, para dizer que é constitucional, sim, a CLT que faculta – e não mais obriga – a contribuição aos sindicatos. Ou seja, confederações, federações e sindicatos perderam a receita certa e foram obrigados a sair da zona de conforto, ou do colinho do Estado, o que tanto agradava o governo, os políticos e os sindicalistas. Os empregados e as empresas sustentaram um grande negócio.

Hoje, no STF, ainda tramita um punhado de ADIs, sendo que a principal deverá ser julgada no próximo mês de agosto, após vários e vários adiamentos, sobre a “validade de norma coletiva de trabalho que limita ou restringe direito trabalhista não assegurado constitucionalmente” (tema 1.046). Por outras, o STF dirá se é válida a CLT quando ela diz que a negociação sindical se sobrepõe à lei, quando o direito regulado não está previsto na Constituição Federal. Minha opinião: os ministros do Supremo, por maioria de votos, dirão que “o negociado vale sobre o legislado”, quando o direito não for constitucional.

E os sindicatos? Juntaram-se, articularam-se e foram inimigos fidagais. A CLT revisada tirou-os do sonolento comodismo, pelo corte das gordas contribuições compulsórias, como acima visto. Sem as receitas certas, ao natural, desacelerou-se a volúpia de criação de sindicatos. Há um movimento reverso. Os sindicatos tendem à aglutinação de bases territoriais, quando não à própria redução da representatividade, repassando a sindicatos com base estadual ou federações a tarefa. Se o “negociado sobre o legislado” for avalizado pelo Supremo, sem dúvida os bons sindicatos, os criativos e competentes, resgatarão o protagonismo e poderão reaprender, inclusive, a arrecadar, fundado em velha premissa: bons serviços adensam as filiações e geram receitas. Repito, a regra vale aos sindicatos obreiros e patronais.

E a Justiça do Trabalho? A lei que aniversaria, não paire dúvida, tirou da Justiça do Trabalho a capacidade de legislar por jurisprudência (por exemplo, a terceirização só é possível na atividade-meio, as normas coletivas não caducam, preposto deve ser empregado) e a obrigou a respeitar o devido processo legal (por exemplo, empresas e sócios não serão arrostados em execuções e não terão seus bens apropriados sem que haja o regular direito de defesa). Bom dizer que, desde 2017, os Tribunais do Trabalho, o Superior e os Regionais, não se dispuseram a rever o sem-número de súmulas, orientações jurisprudenciais e enunciados que editaram por anos e décadas e estão desconformes com a CLT revisada.

Os jurisdicionados, algo como 32 milhões de trabalhadores com carteira e milhares de empresas, continuam aguardando que os juízes façam a operação-desmonte, depurando tudo que criaram, interpretando a lei velha ou ocupando espaços que ela deixava, ante a nova normativa legal. O vagar é um sintoma do desagrado, percebe-se. Como ao juiz cabe aplicar o direito posto, e não o suposto, já há novos paradigmas jurisprudentes.

E a advocacia trabalhista? Também foi chacoalhada, o que era necessário. Reclamar sem critério pune o reclamante, que deve pagar custas e honorários advocatícios. A parte que mal atua no processo deve ser punida e multada. Os pedidos devem ser apresentados com liquidez. O número de ações ajuizadas decresceu, ainda que, ano e meio de pandemia e milhões de desempregados por força dela, não se possa dizer exatamente o quanto. Mas, sim, diminuiu, especialmente os pedidos formulados, em cada ação, que despencaram. A “reforma” da CLT, sem meias palavras, passou a exigir um profissional mais competente técnica, comportamental e conceitualmente. A advocacia trabalhista foi convidada a um necessário upgrade, não sendo equivocado dizer que muitos já a deixaram. Jurisdição voluntária, arbitragem, empregados autossuficientes, negócios processuais e por aí vai uma nova estrada...

O Brasil, enfim, fez a travessia e alcançou uma normativa trabalhista mais próxima da efetivamente necessária, dado que incentiva a contratualidade entre empregado e empregador, revigora a negociação coletiva, remoça o processo do trabalho e prudentemente instrui a produção jurisprudencial; como cereja do bolo, transmite uma necessária segurança jurídica. A CLT deixou de iluminar o passado.

Há mais a fazer. Mas não exatamente agora, em um governo que, nos primeiros de seus atos, extinguiu o Ministério do Trabalho, realocando suas atribuições na Economia de Paulo Guedes e na Justiça do já ex-ministro Sergio Moro. Um sinal claro de que o Brasil pode e deve esperar.

Hélio Gomes Coelho Júnior é advogado, especialista, mestre e professor de Direito do Trabalho, presidente do Instituto dos Advogados do Paraná na gestão 2017/2019 e da Confederação dos Institutos dos Advogados do Brasil na gestão 2019/2020.

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