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Apresentei no artigo anterior a noção de que a inteligência é uma faculdade espiritual da alma. Mas esta alma, ou “psiquê” como dizem os gregos, possui outra faculdade espiritual que pode influir na educação humana que é a vontade. Comentei, também sobre a dificuldade atual dos educadores em acreditar na existência de coisas espirituais, pois seria isso assunto religioso, portanto estaria fora dos campos da ciência moderna. Mas entrando na filosofia, diz Santo Tomás de Aquino na Suma Contra os Gentios, que toda natureza intelectual, possui necessariamente uma vontade e esta é diferente do apetite natural dos seres desprovidos de conhecimento, que possuem instinto.

Os seres cognoscentes possuem uma vontade diferente chamada “appetitus elicitus”, ou seja, apetite elícito, que é uma faculdade apetitiva correspondente a uma forma que é conhecida e orientada pela inteligência e difere do apetite sensitivo, que é comum a todos os animais racionais ou não. Então a vontade, filosoficamente falando, “é uma inclinação de natureza intelectual e é o princípio das operações que estão em nós, pelas quais aquele que faz o ato de inteligência age em vista de um fim” (Gardeil, 2013). O fim, ou o objeto, da vontade é o bem, como o objeto da inteligência é a verdade. Podemos ver claramente que ao se obter a apreensão intelectual do objeto inicia-se um processo de afeição ou aversão ao ser inteligido. Quando intelijo um objeto, verifico que é verdadeiro e que é o bem, verifico, que ele está fora de mim e eu me sinto atraído para aquela coisa desejada que existe fora de mim, porque o ser humano deseja naturalmente o bem para si mesmo e para os seus próximos.

A educação verdadeira tem de buscar elevar os alunos para um nível de excelência que não pode começar sem uma vida virtuosa.

Essas duas faculdades da alma humana estão totalmente acopladas, uma à outra, mas teria uma delas alguma superioridade? À primeira vista, como a vontade busca o bem, neste caso a caridade seria este bem maior, esta deveria ser superior e dominar a inteligência. Entretanto, Tomás (De anima) diz que quanto mais uma coisa é simples e abstrata, tanto mais elevada é. Ele acrescenta que o objeto da inteligência é mais simples e mais absoluto que o da vontade, portanto, quanto mais imaterial é um objeto, mais ele é atual e perfeito, perdendo toda sua potência e ficando totalmente em ato. Ao inteligir o ser das coisas se busca o que ela é, ou seja, o ser em toda a sua realidade concreta, assim, a inteligência teria maior importância. Além do que, Tomás (De Veritate) acrescenta que a inteligência coloca o ser da coisa dentro de mim, enquanto a vontade terá que ir em busca daquilo que deseja fora dela, desta forma, a assimilação cognitiva é mais perfeita do que a união afetiva. A busca da felicidade é um ato da vontade ou fruição afetiva, mas é o conhecimento do bem maior que caracteriza esta busca, sendo a inteligência mais nobre do que a vontade.

E vem aqui a pergunta, mas onde está essa vontade? Podemos responder, como já o fizemos com relação à inteligência, que está na alma humana. É espiritual, sabemos que existe, mas nunca poderemos vê-la com nossos sentidos externos, nem com os internos. E nos vem a pergunta sobre a nossa liberdade de ação, ou livre arbítrio: será que isso existe? A resposta é sim – e é aí que entra o papel da educação, foco desses artigos que servem de base filosófica a um processo de melhoria contínua da educação nacional.

É necessário, então, comentar algo sobre a liberdade humana. A liberdade, ou vontade livre, pode ser entendida como algo exterior ao homem, como a física, a civil, a política, a de consciência, mas existe uma liberdade de cunho interior: a possibilidade de a vontade se determinar a agir ou não, sem constrangimento interior. Fica claro que a primeira está subordinada à segunda, mas pode não haver solidariedade necessária entre ambas. Explicando melhor, posso estar privado de liberdade exterior e continuar livre no meu querer. Podemos verificar que os seres irracionais não têm liberdade alguma, pois agem por natureza, são apenas executantes, não sendo possível submetê-los a nenhum tipo de educação, tão somente um adestramento. Quanto ao ser dotado de inteligência e vontade, portanto racional, onde o julgamento foi atingido, os atos de agir ou não agir atingem seu grau máximo, pois há a liberdade total e a educação se torna possível.

Se a alma não dominar o corpo, as faculdades espirituais da alma não poderão ser acessadas e o aluno não estará livre e estará apenas sendo adestrado como um ser irracional.

Neste ponto, se faz necessário falar sobre a moral e sua relação com a vontade e a liberdade, uma vez que os bens ditos necessários serão buscados de imediato por uma vontade esclarecida. Nesse caso, por bens necessários poderíamos dizer que não há liberdade em jogo, pois o ser humano não pode deixar, por exemplo, de se alimentar. Ao buscar os bens necessários não há por que falar em moral. Mas ao falar de um ato livre, há uma necessidade de se falar em vida moral, uma vez que não há vida livre sem vida moral. A liberdade tem seu fundamento na razão, sendo essa a força cognitiva que julga que algo deve ser buscado ou evitado. Discute-se aqui, não os bens necessários, mas aqueles que não estão claramente identificados, onde a identificação para o bem é obscurecida. E é na operação chamada de julgamento, na qual ocorre a contemplação da verdade do ser, se faz necessário ocorrer todo um trabalho intelectivo, buscando a experiência da verdade, verificando os contingentes que se apresentam, e chegando ao final do processo. De forma objetiva: “eu julgo que tal meio será conveniente para atingir tal fim e me decido, mas percebo, ao mesmo tempo, que o motivo que me faz agir não se impõe de modo absoluto”(Gardeil, 2013). Não é um impulso instintivo que me conduz, mas uma consciência de razão que apreciou e julgou. E Santo Tomás, em associação a Aristóteles, chama esta liberdade de appetitus intellectivus, que vem a ser o apetite dotado de inteligência, onde eu busco o bem usando primeiramente a inteligência.

Depois deste mergulho filosófico, podemos adentrar na educação e entender como a educação é mudar comportamentos. Ao educar, os alunos são iluminados pela verdade em suas inteligências e podem livremente usar suas vontades para atingir um fim que é o bem, e isso é mudar os comportamentos do estudante. Claro que para se obter todo o processo intelectivo se faz necessário ter o controle total dos vícios, sem o que não será possível buscar o julgamento e com isso, a vontade estará comprometida e não haverá livre arbítrio, sendo o aluno seduzido por paixões sensitivas ou corporais, que evitarão seu processo educativo.

Dessa maneira, a chave para se conduzir uma educação correta e plena se inicia com a formação de uma vida moral virtuosa, como os gregos desejavam e chamavam de “areté”. Se a alma não dominar o corpo, as faculdades espirituais da alma não poderão ser acessadas e o aluno não estará livre e estará apenas sendo adestrado como um ser irracional, e não educado.

Estudando os sistemas educacionais internacionais, pode-se verificar facilmente que está havendo uma destruição paulatina da psicologia humana, aproximando essa da psicologia animal. Os reflexos desta onda globalista na educação se reflete no Brasil de forma muito contundente. Um exemplo disso pode ser visto nas convocações para a Conferência Nacional de Educação 2024 (CONAE) onde os participantes querem o fim da pluralidade pedagógica e o fim dos sistemas estaduais e municipais de ensino. Estão desejando impor um sistema único em que não haja possibilidade de reflexão pedagógica entre mestres e entre mestres e alunos, havendo um único sistema nacional totalmente centralizado em Brasília, sem liberdade alguma. Não havendo possibilidade de reflexões, de divergências, de contraditórios, para que desenvolver inteligência e vontade? Basta ter um educando quieto e dócil em sala de aula, que aceite tudo o que o professor falar.

Triste é ver este fenômeno se reproduzindo no Brasil e ainda pior perceber que poucos identificam o que está por vir – a formação de um contingente totalmente alienado e doutrinado, incapaz de usar sua capacidade intelectual e agir livremente segundo sua vontade, pois só se deixarão levar por paixões. Uma maneira fácil de corromper os jovens e crianças já está se tentando, ao introduzir a ideologia de gênero e a sexualidade no ensino infantil. Ao corromper-se a infância, podemos imaginar em que adulto se transformarão os estudantes de hoje.

A educação verdadeira tem de buscar elevar os alunos para um nível de excelência que não pode começar sem uma vida virtuosa; pais e responsáveis devem iniciar uma vida de sabedoria, sendo exemplos aos seus filhos. Para essa vida de sabedoria, também devem se reeducar e ter a humildade de identificar e corrigir seus vícios, desenvolver suas inteligências, aprendendo a estudar para agirem de forma sábia diante do mundo globalizado e desalmado que quer centralizar tudo e controlar a população como se fosse um grande rebanho.

Claudio Titericz, coronel da reserva do Exército, bacharel, mestre e doutor em Ciências Militares e bacharel em Teologia e ex-integrante do Ministério da Educação, é um dos fundadores do Instituto de Biopolítica Zenith, e autor do livro “O Problema da Educação Brasileira”.

Conteúdo editado por:Jocelaine Santos
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