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Que país é este? Foi a frase dita de forma indignada pelo ex-diretor de serviços da maior empresa do país, Renato Duque, ao saber que seria preso. Pode soar como um deboche para a sociedade brasileira, mas, na forma como estes senhores veem o Brasil, mesmo envolvidos com o roubo de milhões de dólares, é como nossos monarcas portugueses viam o “Reino Unido de Portugal, Brasil e Algarves”, dividido entre nobres e plebeus.

Nada mudou muito, mesmo depois da independência do Brasil e da instalação da primeira Assembleia Constituinte do país, em maio de 1823, reunindo 84 deputados de 14 províncias. Estes representavam a elite política e intelectual da época, composta por magistrados, senhores de engenho, altos funcionários, militares e até professores. A sede do império, já independente de Portugal, era no Rio de Janeiro e tinha pouco mais de 300 mil habitantes, dos quais metade era constituída de escravos, negros forros e mulatos. Mais de 90% da população era analfabeta e pobre – portanto, excluída da vida política nacional. A “democracia” não durou muito, pois em novembro do mesmo ano o imperador dom Pedro I dissolvia a Assembleia com uso de força militar, depois do acirramento das discussões em torno de um projeto de lei sobre liberdade de imprensa.

A frase da época, como no momento atual, poderia ser esta: Que reino é este? No atual reinado petrolífero da corrupção, agora com os poços da roubalheira secando, se viu apenas um Duque expressando sua indignação. Os príncipes, viscondes, condes, barões, comendadores da cultura do “você sabe com quem está falando?”, ou mesmo escudeiros dos níveis mais inferiores da corte, com o poder de apenas um carimbo nas mãos, também usam sua autoridade burocrática para resolver seus complexos de inferioridade! O Brasil é um país onde pequenas monarquias se mantiveram em todas suas instituições, onde certos “nobres” se julgam acima de tudo e de todos.

O Brasil é um país onde pequenas monarquias se mantiveram em todas suas instituições

Eles não são apenas títulos que se encontram nos nomes de nossas ruas, homenageando muitas vezes alguns que foram déspotas no nosso passado colonial! Hoje temos todos aí, ocupando ministérios, secretarias, tribunais, repartições públicas, sem falar nos bancos, empreiteiras, donos de meios de comunicação e por aí vai! Também não podemos esquecer que são nomes frequentes nas nossas colunas sociais e revistas badaladas que publicam a vida íntima dos nossos “famosos”. Numa analogia, estas são hoje a representação dos bailes da corte, para os quais somente escolhidos da elite monárquica eram convidados.

Como somente mudam os tempos, basta um escândalo, mensalão, petrolão, diários secretos, contas na Suíça, fraudes do Imposto de Renda, entre outros, para o nobre admirado de hoje ser o rejeitado condenado de amanhã – que o diga o nobre ex-deputado federal André Vargas. O problema é, que apesar da nova república vigente, temos um quê de monarquia contemporânea brasileira: políticos julgam políticos, juízes julgam juízes, militares julgam militares e policiais julgam policiais! O corporativismo é uma herança da monarquia perpetuada em todas as esferas do poder. Aberrações como o “foro privilegiado” existente para parlamentares é anacrônico e imoral.

Paulo Maluf, Jader Barbalho, Fernando Collor de Mello, José Sarney, Renan Calheiros, Eduardo Cunha e tantos outros “fichas-sujas” continuam frequentando os bailes da corte! Sem contar com o menestrel Michel Temer, citado nas operações Castelo de Areia e Caixa de Pandora, agora promovido a arquiduque! De tempos em tempos, fidalgos e povo vão às ruas protestar, se desentendem, se xingam, deixando os senhores feudais tirar vantagem da desunião.

Igualmente imoral é o nosso “monárquico judiciário”. Vejam o caso do juiz Flavio Roberto de Souza, que se apoderou do Porsche e do piano do Eike Batista, além de desviar mais de R$ 1 milhão para o próprio bolso. Certamente, lá sentado no seu trono também estaria pensando sobre o flagrante: que reino é este? Afinal, sou um magistrado, pertenço à nobreza da toga! O outro caso é o do meritíssimo João Carlos de Souza Correa, que no ano passado deu uma “carteirada” na fiscal de trânsito que o parou em uma blitz da Operação Lei Seca, no condado do Leblon, e que ainda foi condenada por dizer a frase “ofensiva” segundo a qual o infrator “era juiz, mas não era Deus”! Como assim? A pobre súdita do trânsito Luciana Tamburini foi auxiliada pela mobilização de plebeus numa “vaquinha” da internet para pagar os R$ 5 mil de multa à corte. O que se pode dizer da arrogante atitude do juiz Marcelo Baldochi, que deu voz de a prisão a três funcionários da TAM, no Maranhão, ao ser impedido de entrar em uma aeronave, minutos após os procedimentos de embarque serem encerrados? Esse magistrado já havia sido multado pelo Ministério do Trabalho por manter pessoas trabalhando em situação análoga à escravidão em suas terras no Ducado do Maranhão! Alguma diferença do passado?

Já em terras feudais do Sul Maravilha, os reinozinhos se perpetuaram nos três poderes, como o da Assembleia, onde Nelson Justus (DEM) e Alexandre Curi (PMDB), além de outros, são blindados pelo corporativismo de seus pares monárquicos, apesar de estarem sendo acusados das falcatruas que esvaziavam por anos os cofres do Reino das Araucárias! Rolaram apenas as cabeças de vassalos, como a de Abib Miguel, vulgo “Bibinho”, agora esquecido nas masmorras do castelo. E nosso Marquês do Iguaçu, que não é investigado a fundo pelos seus súditos fiéis do Tribunal de Contas, Judiciário e Ministério Público! Para onde foi o dinheiro dos impostos que deveriam ser usados para administrar o reino? Para onde foram as moedas de ouro dos cofres do Palácio? E o primo, que era príncipe e virou sapo? Afinal, o melhor ainda não estava por vir?

Eloy Casagrande Jr. é professor da Universidade Tecnológica Federal do Paraná (UTFPR).
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