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A recente disparada da cotação do dólar no mercado brasileiro, com o rompimento da barreira dos R$ 4 no último dia 22 (o maior valor desde 10 de outubro de 2002, quando chegou a R$ 3,99), reflete os embaraços externos, traduzidos na intensificação da valorização da moeda norte-americana em escala global, fruto da proximidade da elevação dos juros nos Estados Unidos, no inevitável rearranjo das carteiras de ativos financeiros e na desaceleração da velocidade de expansão da economia chinesa.

Porém, a principal motivação da depreciação do real repousa na multiplicação dos elementos de perturbação domésticos sintetizados na certeza dos agentes acerca da incapacidade do governo Dilma em reverter a trajetória ascendente da dívida pública nos próximos anos, o que pode resultar, inclusive, em novas rodadas de rebaixamento da nota de crédito do passivo brasileiro pelas agências internacionais de classificação de risco.

A principal motivação da depreciação do real repousa na multiplicação dos elementos de perturbação domésticos

É necessário assinalar que, do ponto de vista estritamente técnico, o movimento do dólar integra um processo de realinhamento de preços relativos, em curso por aqui desde o começo de 2015, também composto pelos pronunciados reajustes das tarifas de energia elétrica e dos preços dos combustíveis, represados entre 2010 e 2014 por causa do populismo redistributivista e eleitoreiro.

Em paralelo, o ajuste engloba a queda dos salários reais, dos aluguéis e dos lucros corporativos, e carece ainda do delineamento da marcha de declínio dos juros, algo que pode ser oportunizado pela subida (ou descida, dependendo do ângulo de observação) do câmbio.

Essencialmente, o câmbio representa um instrumento de defesa do organismo econômico contra seus próprios desequilíbrios ou golpes exteriores, desferidos, nas circunstâncias atuais, pela ausência de uma orientação macroeconômica consistente por parte do Executivo federal. O que se vê é o sistema tirando proveito da deterioração das variáveis políticas e recolocando o câmbio em um lugar mais adequado.

Aliás, o evento revela-se crucial para a recuperação da competitividade dos segmentos produtivos mais articulados às exportações e dos ramos presos à demanda doméstica, sufocados pelo intervencionismo estatal na cotação do real, prevalecente nos últimos anos e que ofuscou o exercício de cálculo de retorno das atividades correntes e dos projetos.

Por outro lado, o propalado impacto na inflação deve ser neutralizado pelo ambiente de negócios extremamente desfavorável, abrigando a maior e mais prolongada recessão da história da nação. Recorde-se que os saltos do dólar em 1999 e 2002, depois de eliminados os componentes especulativos, ficaram restritos às tabelas de preços dos oligopólios industriais e das cadeias de distribuição, chegando ao varejo com intensidade inflacionária reduzida.

Mais que isso, a presente curva de aceleração dos reajustes de preços antecede a valorização da moeda americana no Brasil e reproduz os obstáculos políticos, enfrentados pelas autoridades econômicas, para sinalizar um abrandamento estrutural da fragilidade fiscal e financeira do setor público, verdadeira causa da inflação brasileira.

Por fim, um esforço de agregação da inflação registrada entre o lançamento do real, em julho de 1994, e setembro de 2015, e desconto da variação da produtividade da economia (puxada principalmente pelos ganhos de eficiência do agronegócio), permite estimar uma taxa de câmbio entre R$ 4,40 e R$ 4,60 e rechaçar a afirmação do ex-presidente do Federal Reserve (FED, o banco central dos EUA) Allan Greenspan, de que “o câmbio é uma variável inventada por Deus para desmoralizar os economistas”.

Gilmar Mendes Lourenço, economista, é professor da FAE Business School.
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