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Quem acredita na democracia precisa defender redes sociais livres

Publicações em redes sociais podem levar à prisão ou multa na Alemanha (Foto: EFE/ Ballesteros)

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A discussão sobre redes sociais está intimamente ligada com a ideia de democracia, especialmente em sua forma moderna de participação universal, representa um dos maiores marcos da história. A democracia não apenas permite que os cidadãos escolham seus representantes, mas transforma indivíduos comuns em protagonistas do processo político. Mais do que o direito de votar, a democracia assegura o direito de ser votado, e de, por mérito, ocupar posições de liderança e influência. Fundamenta-se, acima de tudo, na crença de que todo ser humano adulto é capaz e deve ser senhor de suas decisões e escolhas.

Esse princípio está enraizado na tradição iluminista, que valoriza a razão e a autonomia como características inerentes a cada indivíduo. John Stuart Mill, em On Liberty, defende que a participação política ativa fortalece as instituições e enriquece o caráter dos cidadãos. Democracias autênticas confiam na inteligência coletiva e na pluralidade de perspectivas como motores do progresso — diferentemente de regimes autoritários, que concentram o poder e subestimam a capacidade do povo. Como nos lembra Larry Kramer, autor de The People Themselves, a democracia é, antes de tudo, um pacto de confiança no povo.

A pluralidade de opiniões e a diversidade de ideias, tanto na democracia quanto nas redes sociais, são virtudes e não defeitos. Devemos aceitá-las, e celebrá-las, mesmo quando nos incomodam ou confrontam nossa visão de mundo

Ao romper com a lógica da exclusividade das elites políticas, econômicas ou religiosas, a democracia abriu espaço para lideranças de origens diversas. Exemplo disso é a ascensão de mulheres e minorias ao poder político ao longo do século XX, provando que o talento e o comprometimento podem superar o berço e a tradição. Líderes como Margaret Thatcher, Angela Merkel e Nelson Mandela nos deixaram essa lição.

Essa lógica se aplica diretamente ao fenômeno das redes sociais. Assim como a democracia rompeu com a concentração do poder político, as redes sociais romperam com a concentração do poder comunicacional. Elas permitiram que qualquer pessoa tenha acesso a uma audiência ampla. Algo que, até poucas décadas atrás, estava restrito a grandes grupos de mídia. Hoje, jornalistas independentes, ativistas e cidadãos comuns compartilham informações em tempo real, desafiando narrativas estabelecidas e ampliando os horizontes do debate público.

Ao ampliar o alcance de vozes antes ignoradas, as redes sociais atualizam a promessa democrática de inclusão. Líderes não tradicionais, influenciadores digitais e movimentos sociais emergem desse ambiente como expressões legítimas da vontade popular — e como lembretes de que a democracia vive, respira e se reinventa.

Contudo, vivemos um momento paradoxal: justamente quando o cidadão comum passou a ter voz e influência, surgem tentativas de restringir e regular excessivamente esse novo espaço de liberdade. E, curiosamente, parte de quem hoje defende essas restrições se apresenta como defensor da democracia e daqueles que historicamente não tiveram voz. Mas quem acredita na democracia — verdadeira, robusta, plural — precisa também acreditar em redes sociais livres. Quem defende o direito de qualquer pessoa votar e ser votada, precisa também defender o direito de qualquer pessoa se expressar, ser ouvida e escolher o conteúdo que deseja consumir.

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Isso não significa ignorar os desafios reais das redes sociais. É legítima e necessária a preocupação com a utilização de algoritmos, a proliferação de informações falsas e os crimes cometidos no ambiente digital. Mas a resposta a esses problemas não deve ser a concentração de poder nas mãos do Estado, nem a outorga aos detentores do poder da autoridade para decidir o que pode ou não ser dito. O caminho mais seguro, democrático e eficaz passa por arranjos institucionais funcionais e plurais, preferencialmente construídos de forma voluntária e descentralizada. Um bom exemplo disso são as notas de comunidade, que, com transparência e participação coletiva, ajudam a contextualizar conteúdos sem censura ou imposição vertical. Também valiosas são as iniciativas de letramento digital, que ajudam as pessoas a identificar conteúdos inverídicos ou perigosos, qualificando a utilização dos canais digitais. Outro exemplo ainda são as demandas meritórias por mais clareza e transparência nas políticas de uso e aplicação de algoritmos nas plataformas.

A pluralidade de opiniões e a diversidade de ideias, tanto na democracia quanto nas redes sociais, são virtudes e não defeitos. Devemos aceitá-las, e celebrá-las, mesmo quando nos incomodam ou confrontam nossa visão de mundo. O desafio não é silenciar as vozes divergentes, como infelizmente tem acontecido, mas conviver com elas em um espaço público vibrante e livre.

Democracia e redes sociais compartilham a mesma essência: a aposta corajosa no indivíduo, a valorização da pluralidade e a crença na dispersão do conhecimento. Que tenhamos a humildade de não querer impor nossa visão de mundo e a sabedoria de não limitar a livre circulação de ideias.

Wagner Lenhart, advogado, mestre em Direito, é presidente do Conselho de Administração do BDMG, conselheiro deliberativo do IFL-SP e associado honorário do IEE.

Conteúdo editado por: Jocelaine Santos

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