• Carregando...
 | /Pixabay
| Foto: /Pixabay

Em meio ao fervor anti-imigração, os nativistas ignoram um fato fundamental: de uns anos para cá, os imigrantes e seus filhos é que vêm resgatando um dos símbolos mais fortes dos EUA: a cidadezinha pequena.

Na última década, o número de mexicanos morando nos EUA caiu em mais de um milhão; alguns foram embora por escolha própria, mas milhares foram deportados. Os norte-americanos que sonham com o país sem eles deveriam conhecer Kennett Square.

Cidade com pouco mais de seis mil habitantes a cerca de uma hora da Filadélfia, ela orgulhosamente se proclama a capital mundial do cogumelo. O setor, estabelecido na porção sudeste da Pensilvânia, movimenta US$ 2,7 bilhões e emprega dez mil pessoas. No Réveillon, organiza um show de cores temático, mas, de uns tempos para cá, as festividades vêm sendo ofuscadas pelo medo.

“Os mexicanos estão indo embora e isso é péssimo para todo mundo. Toda essa negatividade, o alarmismo, o sentimento anti-imigração estão prejudicando as cidades pequenas. Já estamos percebendo falta de mão de obra, e isso ameaça a vibração e o entusiasmo da comunidade”, explica Chris Alonzo, presidente da Pietro Industries, uma das maiores empresas de cogumelos, filho e neto de produtores.

Kennett Square não é uma anomalia; espalhadas por todo o país, cidades de todos os tamanhos estão enfrentando a escassez de trabalhadores imigrantes, mas o impacto é mais forte nas pequenas. Dos frigoríficos de Lincoln, em Nebraska, ao setor de serviços em Lake Geneva, Wisconsin, tanto os estrangeiros como seus empregadores estão cada vez mais nervosos – e, se a tendência se confirmar, a coisa pode ficar pior. A taxa de natalidade registrada hoje nos EUA é a mais baixa dos últimos trinta anos. Rumores sobre a presença dos agentes do Serviço de Imigração e Controle de Alfândegas forçam os imigrantes a esperarem pelo pior.

A taxa de natalidade registrada hoje nos EUA é a mais baixa dos últimos trinta anos

Em Lake Geneva, ouvi um jardineiro experiente conversando com a família. Como ele e a mulher vivem em situação irregular, já alertava os filhos que, se fossem deportados, os dois deveriam tocar o negócio de paisagismo. Se não, seu meio de vida estava correndo sério risco.

No geral, os imigrantes ajudaram e ajudam a renovar os centros interioranos no que se refere à população em declínio e seu envelhecimento. Resgatam comunidades abandonadas, algumas perdendo população desde a década de vinte. Respondem por 13% da população nacional e 16% da força de trabalho, e constituem 18% dos donos de pequenos negócios, segundo um dos relatórios mais abrangentes do tema, feito pela Iniciativa de Pesquisa sobre Imigração do Instituto de Política Fiscal. Em termos nacionais, essas pequenas empresas empregam 4,7 milhões de pessoas e, de acordo com o estudo, geram uma receita de US$ 776 bilhões.

No Meio Oeste, a renovação imigratória inclui bairros destruídos pela heroína e metanfetamina, mesmas drogas que insuflam a violência na terra natal desses imigrantes.

Os problemas do México se refletem aqui em Kennett Square. Quando descobri essa cidadezinha pitoresca sem querer, em uma manhã de inverno nos anos 80, os homens eram apenas operários solitários, a maioria saída do estado de Guanajuato. Eu era repórter do The Wall Street Journal e estava em busca de uma história.

Naquela época, como agora, o elemento de destaque era a torre branca da igreja. O município era parte das terras de William Penn, o quaker que também fundou a Pensilvânia. Ao fundo, a música da banda mexicana Los Bukis, enquanto nos reuníamos em um dos botecos, perto da fogueira, esperando a carne de cabrito grelhada, as tortillas e jalapeños. Fiquei consternado com suas péssimas condições de vida – trailers e casebres caindo aos pedaços embrenhados no mato, como se não fizessem parte da cidade.

Leia também: O historiador que influencia apologistas como Kanye West (artigo de Blain Roberts e Ethan J. Kytle, publicado 5 de maio de 2018)

Rodrigo Constantino: Discriminação e desigualdade (publicado em 4 de junho de 2018)

Os homens falavam de ir embora. Não se integravam, quanto menos assimilavam a cultura. Praticamente todos não viam a hora de reencontrar a família. Entretanto, graças à lei pioneira sancionada por Ronald Reagan, a de Controle e Reforma da Imigração, cerca de 2,7 milhões de pessoas foram legalizadas, a partir de 1986, permitindo que mexicanos e outros imigrantes se movimentassem com liberdade, em maiores números, em busca de oportunidades.

Em Kennett Square, em vez de irem embora como tinham desejado inicialmente, os homens viram o valor de um setor que oferecia trabalho o ano inteiro. Encaravam o interior dos EUA como um lugar ideal onde criar uma família. Hoje, cerca de metade dos moradores é de hispânicos, dos quais se calcula que 80% sejam mexicanos, segundo La Comunidad Hispana, que fornece serviços médicos, educacionais e legais para imigrantes.

Há mais de três gerações, os forasteiros vêm contribuindo com a renovação de Kennett Square: alguns mexicanos começaram o próprio negócio de cogumelos; outros são donos de bares. Alguns abriram mercadinhos. Tem até uma “guerra de tacos”, já que os moradores não chegam a um acordo sobre quem faz a melhor iguaria: são as do centro ou da vizinha Avondale? Centenas das crianças hoje já estão se formando, e muitas inclusive estão perto de obterem um diploma universitário.

Nossas convicções: Fortalecimento do modelo federativo

“Os mexicanos mudaram a comunidade para melhor; tornaram-se parte não só da comunidade dos cogumelos, mas dela como um todo, emprestando cor e riqueza a uma vida que, do contrário, era muito sem graça”, afirma Loretta Perna, coordenadora do programa Walk in Knowledge da Kennett High School.

Uma das alunas de Perna é Sofia Soto, 18 anos, filha de Jaime Aguilera, trabalhador experiente do setor de cogumelos que montou o próprio negócio de paisagismo. Ele hoje está em um centro de detenção, aguardando que um juiz decida o que será de seu destino, bem como o de sua família e, de forma mais geral, da cidade que adotou como sua. Soto, como os dois irmãos e a mãe, é norte-americana. Está determinada a entrar para a Universidade West Chester em setembro, para cumprir a promessa que fez ao pai. Mas confessa: “Se for deportado, não vai ser fácil. Ele é minha inspiração.”

Essas histórias preocupam Alonzo, o cultivador de cogumelos. Não há trabalhadores se candidatando a novas vagas. De fato, muitos evitam andar a pé ou de carro pela cidade, com medo de dar às autoridades qualquer motivo para pedirem seus documentos.

Para minha surpresa, na última visita que fiz, parte dos recém-chegados era de centro-americanos. A princípio, a história “dos imigrantes” parecia estar se repetindo – mas com o clima de medo atual, Alonzo não tem muita certeza. “Se isso continuar, a vibração desta pequena comunidade rural vai desaparecer”, sentenciou.

Alfredo Corchado (@ajcorchado) é correspondente de fronteira do The Dallas Morning News e autor, mais recentemente, de “Homelands: Four Friends, Two Countries and the Fate of the Great Mexican-American Migration”.
The New York Times News Service/Syndicate – Todos os direitos reservados. É proibido todo tipo de reprodução sem autorização por escrito do The New York Times.
0 COMENTÁRIO(S)
Deixe sua opinião
Use este espaço apenas para a comunicação de erros

Máximo de 700 caracteres [0]