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Um mito é uma história que expressa o mundo onírico coletivo de uma cultura: seus medos, seus desejos, sua autoimagem. Alguns mitos se refinam ao longo de gerações. Outros surgem na consciência em um instante. Um fragmento de história ou notícia captura a imaginação de forma tão completa que toda a cultura de repente projeta sua esperança ou terror sobre um único herói — ou, mais frequentemente, um vilão.
Jeffrey Epstein é um desses mitos. Desde sua prisão e morte na cadeia, o financista, socialite e pedófilo em desgraça tornou-se o vilão mais famoso dos Estados Unidos, um arquétipo que oferece a praticamente todos os grupos algo para odiar.
Para alguns, ele representa a depravação sexual oculta das elites. Para outros, uma conspiração global fundamentada em chantagem, espionagem e intriga. Para outros ainda, ele é uma arma a ser usada contra seu ex-amigo, o presidente Donald Trump.
Epstein encarna a omni-conspiração. Para certos críticos, suas conexões com as pessoas mais poderosas do mundo sugerem sua participação em uma cabala que controla instituições de elite. E suas casas, aviões e ilhas — somados à origem incerta de sua fortuna — são provas, para muitos, de que ele lucrou com a corrupção.
O jogo, então, é atribuir a culpa e estabelecer o significado de seus crimes. Epstein capturou a mente pública, e a questão agora é se ele será visto como o Marquês de Sade ou como Charles Ponzi.
Diversas teorias circulam: que Epstein era um agente de inteligência que orquestrava chantagem sexual contra os super-ricos; que era uma figura à la Rasputin, que seduzia os ricos e tomava suas fortunas; que tinha tanto kompromat (material comprometedor) sobre líderes mundiais que precisou ser secretamente assassinado em sua cela.
Há evidências documentais suficientes para, ao menos, levantar suspeitas: os flagrantes de Bill Clinton recebendo massagem num hangar privado; os contratos e transações estranhas entre Epstein e o bilionário Les Wexner; o aparente desaparecimento de “dezenas de milhares de vídeos” de Epstein “com crianças ou pornografia infantil”.
Em todos os casos, Epstein parece transgredir os tabus mais profundamente arraigados da América. É um pedófilo que abusou de dezenas de meninas. É um criminoso que fraudou bilhões de dólares. É uma serpente que se infiltrou na alta sociedade por meio de manipulação e mentira.
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Epstein representa a negação completa das virtudes da cultura puritana americana — modéstia, honestidade, humildade — e simboliza, em vez disso, tudo o que está podre na elite dos EUA num período de decadência e ansiedade
Daí a intensa reação pública. Epstein nos permite projetar nossos ódios e medos em um único homem. Sua biografia contém mistérios suficientes para preenchermos as lacunas com nossas obsessões particulares. Algumas — ou todas — as teorias da conspiração podem ser verdadeiras. Mas os fatos nunca serão suficientes.
De um lado, parece que muitas pessoas poderosas têm interesse em enterrar os segredos de Epstein; de outro, o público está tão desconfiado das autoridades que nenhum relatório ou inquérito jamais parecerá transparente o bastante.
Observei o caso Epstein circular pela mídia de direita e de esquerda por anos, sem formar julgamentos definitivos. Minha sensação é que as fantasias mais elaboradas — de que Epstein fazia parte de uma cabala de pedófilos canibais, ou que comandava governos mundiais em nome do Mossad — são distrações diante de uma realidade mais banal, porém talvez ainda mais perturbadora.
Jeffrey Epstein não era um canibal nem um agente estrangeiro, mas uma versão depravada de um arquétipo tipicamente americano: o personagem Jay Gatsby.
Como Gatsby, Epstein era uma pessoa ambiciosa que tentou se dissociar de suas origens humildes, acumulou riqueza por meio de fraude ou artifício, e distribuiu dinheiro a outros na esperança de ser aceito na alta sociedade. Construiu uma fortuna impressionante e cultivou uma rede de elite.
Mas o dinheiro, as festas, as ilhas, as contas de corretagem e as fotos com os ricos eram todos símbolos vazios — subornos que mascaravam, temporariamente, o horror de uma vida mal vivida. Quando tudo desmoronou, ninguém compareceu ao funeral de Epstein — assim como quase ninguém compareceu ao de Gatsby.
Devemos buscar descobrir todos os fatos, mas não precisamos de uma omni-conspiração ou de um plano de espionagem elaborado para identificar as lições mais profundas do mito Epstein.
Nossas elites são facilmente seduzidas pela riqueza material e, no mínimo, dispostas a fechar os olhos para um homem cercado de adolescentes. Epstein não produziu nada de valor, construiu seu status apenas com base em percepções e, para quem quisesse ver, carregava todos os sinais de um predador.
Mas nem mesmo os americanos mais ricos e poderosos resistiram a um jato particular ou algumas noites nas Ilhas Virgens. Epstein era um monstro — mas os que o ajudaram a manter seu status são culpados de um tipo de niilismo tipicamente americano. Epstein foi apenas o dead man’s switch (o gatilho pós-morte), que, quando sua vida explodiu, lançou estilhaços sobre todos ao redor.
Christopher F. Rufo é pesquisador sênior do Manhattan Institute, editor contribuinte da City Journal e autor de "America’s Cultural Revolution".
©2025 City Journal. Publicado com permissão. Original em inglês: Jeffrey Epstein, Dead Man’s Switch



