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 | Valter Campanato/Agência Brasil
| Foto: Valter Campanato/Agência Brasil

“Nossa bandeira é verde, amarela, azul e branca. E jamais será vermelha!” Esta afirmação foi repetida incontáveis vezes durante as eleições. O contexto para tanto era o medo – genuinamente ingênuo para alguns, ou propagado por outros de maneira solerte – de uma possível ameaça socialista/comunista. A Venezuela, envolta em uma séria crise humanitária, foi eleita como símbolo do que poderíamos nos transformar. Um emblema triste do desconhecimento histórico das relações entre os dois países e das verdadeiras causas das agruras do vizinho. Este tipo de argumentação, replicada à enésima potência, representa o que há de mais antediluviano na sociedade brasileira. Enquanto o mundo discute seriamente problemas como o das mudanças climáticas, das crescentes desigualdades e do ingresso e consolidação na indústria 4.0, presenciamos uma campanha com discussões precárias e que passaram ao largo de temas estratégicos para a sociedade.

O curioso e irônico é que os milhões de brasileiros que se posicionaram fervorosamente a favor da manutenção das cores do nosso lábaro não percebem que, aos poucos, estas mesmas cores estampadas em nossa bandeira deixam de representar o que tradicional e historicamente simbolizam. O branco, por exemplo, reconhecidamente a cor da paz, está cada vez mais distante do cotidiano. Já lemos ou ouvimos ações verbais e/ou físicas violentas recentes, vinculadas às discussões políticas. Fotos e vídeos de jovens, universitários inclusive, com ameaças a minorias correram as redes sociais. Caso alguém ainda minimize a seriedade destes casos, que podem servir de fonte de inspiração para outras pessoas, é necessária uma reflexão profunda sobre a banalização do ódio e da selvageria e acerca do nosso futuro enquanto sociedade.

O verde e o azul, agora, correm sério risco de não mais fazerem parte do simbolismo de nossa pátria

O verde e o azul, agora, correm sério risco de não mais fazerem parte do simbolismo de nossa pátria. Estas cores, popular e tradicionalmente associadas às florestas, ao meio ambiente e às águas, estão sendo borradas. A recente notícia da fusão do Ministério do Meio Ambiente e do Ministério da Agricultura – promessa de campanha desde o início – é recebida com tristeza por aqueles que se sensibilizam minimamente pelas questões ambientais e reconhecem a importância de um meio ambiente equilibrado para a nossa qualidade de vida. Tão importante que há um capítulo exclusivo (VI) sobre o meio ambiente na Constituição.

Inúmeros motivos podem ser elencados para apontar a insensatez desta fusão. E que tais motivos, esperamos, sejam fartamente expostos pelos meios de comunicação, redes sociais e abraçados pela sociedade. Um deles está relacionado à liderança nata do Brasil nas discussões ambientais em âmbito global, quer seja por sua megadiversidade, quer pelo seu protagonismo diplomático. Como poderemos avançar nesta liderança sem termos um Ministério do Meio Ambiente independente? Como iremos nos apresentar aos demais atores neste debate?

Leia também: Bolsonaro e os desejos do eleitor (editorial de 29 de outubro de 2018)

Leia também: Modernização regulatória deve alavancar saneamento básico (artigo de Mauricio Endo e Diogo Mac Cord, publicado em 30 de outubro de 2018)

Em outubro foram publicados dois importantes relatórios de organizações sérias internacionais: o Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC) mostra que temos apenas 12 anos para tentar reverter um aquecimento acima de 1,5 grau Celsius; o da World Wide Fund for Nature (WWF) aponta que, desde 1970, 60% das populações de mamíferos, pássaros, peixes e répteis foram dizimadas. O Brasil deve contribuir urgentemente nestas duas questões, pois temos em nosso território grande parte da maior floresta tropical do mundo. Como faremos isso sem um Ministério do Meio Ambiente autônomo e independente? Não nos esqueçamos: sem florestas, não há chance de evitar o colapso climático e não há biodiversidade; e sem biodiversidade, não há vida.

Se o branco já não mais condiz com a harmonia de nossa sociedade, e se o verde e o azul da nossa bandeira estão deixando de representar o cabedal da sociedade, resta-nos a cor amarela. Esta não mais indicará a felicidade e a prosperidade do povo brasileiro, mas tão somente a ganância e a cobiça daqueles que anseiam pelo aumento de sua própria riqueza. Essa é a herança que deixaremos para as futuras gerações?

Daniel Andrade Caixeta, presidente da Sociedade Brasileira de Economia Ecológica, é professor do Instituto de Economia e Relações Internacionais da Universidade Federal de Uberlândia e pesquisador do CNPq. Junior Ruiz Garcia, diretor da Sociedade Brasileira de Economia Ecológica, é professor do Departamento de Economia da Universidade Federal do Paraná e pesquisador do CNPq.
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