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Considerada por muitos anos como um verdadeiro ‘manicômio tributário’, a legislação brasileira, sobre a cobrança de impostos indiretos, produziria um montante de papel de peso superior a 7,6 toneladas caso alguém tivesse a iniciativa de imprimir todas as normas em papel A4.
Afinal, desde a promulgação da Constituição Federal de 1988 até hoje, ao todo, seriam mais de 400 mil normas tributárias distribuídas por um volume total que ultrapassa 60 mil páginas. Aliás, o advogado mineiro Vinicios Leoncio, publicou a imagem icônica de todo este volume reunido.
Diante deste cenário, a Reforma Tributária aprovada no ano passado foi recebida como se fosse um tratamento medicinal para a doença da burocracia. Isto porque o novo conjunto de regras tem o mérito de reduzir todo este volume de legislação da casa das toneladas para algo em torno de ‘apenas’ 200 Kg de papel, usando os mesmos critérios.
Apesar disso, analisando a questão por uma ótica mais profunda, é possível afirmar que a Reforma Tributária pode ter efeitos colaterais perigosos na forma de uma desidratação do Simples Nacional e das empresas de serviços. Ela pode tanto ampliar quanto acelerar a mortalidade de micros, pequenas e médias empresas por todo o país.
A principal fonte para este raciocínio é que vivemos tempos nos quais se busca, desesperadamente, atingir as metas do Arcabouço Fiscal. Neste sentido, existe uma verdadeira guerra declarada e nesta batalha, aumentar a arrecadação e diminuir os gastos são as únicas armas disponíveis.
Diante deste quadro, a desidratação do Simples Nacional implica tanto a redução da renúncia quanto a diminuição do rombo previdenciário ao longo do tempo, o que viabiliza a concretização do ditado popular: ‘matar dois coelhos com uma cajadada só’.
Só para ter uma ideia do que significaria a migração de empresas do Simples para os outros regimes, basta analisar as fontes de renúncias e incentivos fiscais brasileiros acima da casa dos R$10 bilhões. Essa lista apresenta na liderança absoluta o Simples Nacional, com R$101,8 bilhões.
Na sequência, mas muito distantes, aparecem a Zona Franca de Manaus (ZFM), com R$ 36,3 bilhões, a Desoneração da Folha de Pagamento, com R$ 26,5 bilhões, a Cesta Básica de Alimentos (Desoneração de PIS/Cofins), com R$ 23,5 bilhões e , finalmente os Incentivos para a Agricultura e Pecuária (Desoneração de PIS/Cofins) com R$ 10,4 bilhões.
Já uma análise da questão pela ótica do rombo previdenciário também coloca o Simples Nacional no papel de um ofensor. Isso porque, apesar de contribuírem com alíquotas menores ao INSS em relação às empresas do Lucro Presumido e do Lucro Real, os trabalhadores das empresas do Simples, tanto dos MEIs, quanto das pequenas e médias empresas, têm direito integral à aposentadoria e a todos os demais serviços oferecidos pela previdência.
Os dois cenários transformam o Simples Nacional numa espécie de vilão e o ataque a este sistema se manifestaria na Reforma Tributária em primeiro lugar na forma de uma promessa de desoneração das cadeias produtivas
Ao aplicar o recolhimento de IBS e CBS no conceito de crédito tributário, a Reforma produzirá naturalmente uma migração das empresas do Simples para o Lucro Real ou Presumido. Isso acontecerá porque as grandes empresas praticamente exigirão isso de seus fornecedores.
Na prática, a dinâmica imposta pela Reforma Tributária com a desoneração da cadeia produtiva implica numa estratégia de maximização de créditos em todas as compras realizadas. Desta forma, se o Simples Nacional oferecer um recolhimento que seja inferior à alíquota cheia dos IBS e CBS fica clara a possibilidade deste regime perder atratividade para os tradicionais clientes das empresas que o utilizam.
Nesse caso, as empresas do Simples Nacional podem optar por recolher as alíquotas integrais e dessa forma irão operar num regime misto de Simples Nacional e de créditos integrais. Uma complexidade que as mais de 18 milhões de empresas do Simples não sabem gerir.
Com o objetivo de obter vantagens na forma de créditos tributários, as empresas compradoras de serviços e matérias primas vão preferir fazer negócios com parceiros comerciais que utilizam o Lucro Real e Presumido porque eles viabilizarão mais créditos.
Neste sentido, a empresa do Simples Nacional poderá até oferecer um preço menor pelo produto, mas esse ‘mais barato’ vai precisar compensar o crédito menor que ela vai produzir.
Considerando que uma grande empresa compre de, aproximadamente, 3 mil fornecedores diferentes, atualmente se estima que mais da metade deles sejam do Simples Nacional. Se o Simples origina créditos de 9% e as empresas do Lucro Presumido repassam 28% em forma de IBS e do CBS, é natural que esses 50% do Simples tenham que mudar de regime para ganhar competitividade frente aos empreendimentos da outra modalidade.
O problema é que essa migração será prejudicial às empresas do Simples que não terão vantagem nenhuma com isso. Pelo contrário, elas terão que aprender a trabalhar com esse regime de créditos e débitos tributários.
Para isso, terão despesas maiores com seus contadores e escritórios de contabilidade para gerenciar toda essa mecânica. Sem mencionar que seus preços de venda terão de subir para compensar as maiores alíquotas, parece um círculo vicioso e perigoso para a sobrevivência.
Atualmente, as empresas cadastradas pelo regime do Simples Nacional na modalidade MEI registram uma mortalidade entre 29% e 35% a cada cinco anos. Já as pequenas e médias companhias também do Simples possuem uma taxa menor, mas ainda grande, de 21% a 25% no mesmo período.
Caso a migração de regimes se confirme, é natural esperar que estes índices de mortalidade se tornem ainda maiores e mais rápidos ao longo dos anos com o agravante de que o Simples abriga 84% das empresas instituídas no país, consolidando o regime como o maior empregador dos trabalhadores nacionais.
Por conta de tudo isso, é muito importante que as empresas do Simples entendam o que elas têm de fortalezas e competências para que elas consigam se reorganizar e buscar formas de saírem fortalecidas e não enfraquecidas desta transformação que exige estratégia inteligente de adaptação a esse novo sistema.
Paulo Zirnberger é CEO da Omnitax, startup que atua por meio de uma plataforma de inteligência tributária adaptativa que opera desde o pedido de compra até a contabilização da venda em tempo real.
Conteúdo editado por: Aline Menezes



