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Quando mais de 800 cientistas e líderes globais pedem a suspensão do avanço da “superinteligência artificial”, o mundo percebe que cruzamos uma fronteira simbólica. Já não é deslumbramento: é inquietação. O que antes parecia ficção científica tornou-se uma realidade que inspira cautela. Talvez até temor. No mesmo momento, o Vaticano anuncia uma nova encíclica sobre o tema, a Rerum Novarum Digital, proposta pelo papa Leão XIV.
A referência é precisa: assim como no fim do século XIX a Igreja ergueu a voz para defender a dignidade humana em meio às engrenagens da Revolução Industrial, agora volta a fazê-lo diante da Revolução Algorítmica com a Rerum Novarum Digital. A questão é a mesma, apenas com novas máquinas: a tecnologia deve servir ao homem e não o contrário.
O papa soa mais moderno do que muitos tecnólogos. Ao defender uma IA voltada ao 'desenvolvimento integral da pessoa humana', ele nos lembra de algo que o Vale do Silício prefere esquecer: toda tecnologia carrega uma visão de mundo
A inteligência artificial é, sem dúvida, o salto mais disruptivo de nossa era. Mas o perigo não está nos circuitos, e sim na ausência de consciência moral que os guia, como alerta a Rerum Novarum Digital. Criamos sistemas capazes de aprender, decidir e moldar comportamentos em escala global, mas não criamos, na mesma velocidade, os freios éticos e institucionais que impeçam o abuso desse poder. Regular a IA não é travar o progresso, é protegê-lo da barbárie.
Os que pedem uma pausa não são inimigos da ciência. São defensores do tempo. Tempo para pensar, refletir e escolher o rumo antes que ele nos seja imposto. Cada linha de código escrita hoje carrega o peso de um futuro inteiro, e a pressa pela supremacia tecnológica pode custar o que temos de mais valioso: a liberdade humana.
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Curiosamente, com a Rerum Novarum Digital, o papa soa mais moderno do que muitos tecnólogos. Ao defender uma IA voltada ao “desenvolvimento integral da pessoa humana”, ele nos lembra de algo que o Vale do Silício prefere esquecer: toda tecnologia carrega uma visão de mundo. Por trás de cada inovação há uma ideologia, um modelo de poder, uma ética – ou sua ausência.
A discussão sobre a superinteligência não é apenas sobre o futuro das máquinas, mas sobre o destino da própria humanidade. Se permitirmos que algoritmos aprendam sem limites, logo estaremos sendo ensinados por eles – e talvez disciplinados por suas lógicas impessoais.
O progresso, sem direção moral, é apenas aceleração. E a história já mostrou: revoluções tecnológicas sem freios éticos terminam em desigualdade, alienação e perda de sentido. Desta vez, o risco é ainda maior. Não perderemos apenas o controle, mas a própria noção do que significa pensar. A pergunta que resta é simples e decisiva: quem controlará a inteligência que está prestes a controlar tudo?
Douglas Torres, especialista em tecnologia, desenvolvedor autodidata e fundador da Yup Chat.



