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Residência milionária e tributação mundial: dilemas do Gold e Platinum Card de Trump

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O presidente dos EUA, Donald Trump. (Foto: FRANCIS CHUNG/EFE/EPA)

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O anúncio recente da administração Trump sobre a criação do chamado Trump Card Program trouxe à tona duas categorias distintas de residência permanente mediante contribuição financeira: o Gold Card e o Platinum Card. Embora a proposta tenha grande apelo político, do ponto de vista tributário levanta mais perguntas do que respostas.

O Gold Card, projetado para ser concedido a quem aportar cerca de um milhão de dólares, foi descrito como um status semelhante ao de qualquer residente permanente legal nos Estados Unidos. Isso significa que, salvo alteração legislativa, o titular do Gold Card será tratado como um lawful permanent resident ordinário, sujeito integralmente às regras do Internal Revenue Code (IRC) – em especial à tributação sobre a renda mundial prevista na seção 61, ao conceito de U.S. person, estabelecido na seção 7701, e às obrigações de reporte de ativos no exterior como FBAR e FATCA. Em termos práticos, o Gold Card funcionaria apenas como um atalho migratório, sem alterar a sujeição fiscal.

Já o Platinum Card, estimado em cinco milhões de dólares, é a categoria que mais chama atenção. Segundo os anúncios, permitiria ao titular residir até 270 dias por ano nos Estados Unidos sem ser tributado sobre rendimentos de fonte não americana. Esse desenho, no entanto, não encontra paralelo no direito tributário estadunidense. O IRC sempre partiu da premissa de que cidadãos e residentes fiscais são tributados sobre a renda mundial, ainda que haja exceções limitadas – como a Foreign Earned Income Exclusion, da seção 911, aplicável justamente a quem reside fora do país. A tentativa de criar um regime de semi-residência, no qual alguém possa estar fisicamente nos EUA a maior parte do ano sem tributar seus rendimentos externos, exigiria uma alteração legislativa robusta e geraria conflito direto com as regras de source of income dos §§861–865, que determinam a origem da renda, mas não afastam a obrigatoriedade de sua inclusão na base de cálculo dos residentes.

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Do ponto de vista da isonomia tributária, a proposta do Platinum Card é ainda mais problemática. Se implementada tal como anunciada, criaria um regime de privilégio para estrangeiros ultrarricos em detrimento de cidadãos americanos, que continuam obrigados a declarar e pagar imposto sobre qualquer renda mundial, mesmo aquela de fonte estrangeira. Um americano de classe média com dividendos de uma pequena empresa no Canadá ou aluguel de imóvel no Brasil seria integralmente tributado, enquanto um bilionário estrangeiro com Platinum Card poderia excluir toda essa renda por simples critério de nacionalidade e contribuição financeira. A desigualdade seria gritante e abriria espaço para contestações constitucionais baseadas em princípios de igualdade e coerência tributária.

Não há precedentes históricos no direito tributário dos EUA que autorizem tratamento semelhante. As seções do IRC que tratam de residência fiscal e definição de U.S. person (7701(b)) sempre convergiram para a tributação global dos residentes. A criação de uma categoria híbrida de residente não tributado sobre renda externa representaria uma ruptura inédita e de difícil compatibilização jurídica. Assim, enquanto o Gold Card provavelmente não mudaria nada em termos fiscais, o Platinum Card só poderia ser implementado mediante aprovação legislativa e enfrentaria barreiras jurídicas e políticas consideráveis. Até que haja norma expressa, a regra permanece clara: todo residente fiscal nos EUA tributa renda mundial, e qualquer promessa em sentido contrário ainda é apenas especulação política.

Alexandre Piquet é advogado licenciado nos Estados Unidos e fundador da Piquet Law Firm; Luiz Flávio Paína Resende Alves é advogado, mestre em direito tributário internacional e diretor de Global Tax e Wealth Planning da Piquet Law Firm.

Conteúdo editado por: Jocelaine Santos

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