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A vitória de Mauricio Macri na Argentina, a derrota de Nicolás Maduro nas eleições parlamentares da Venezuela e a crise no Brasil sinalizam fortemente o término de um ciclo político e econômico na América do Sul que retirou 120 milhões de pessoas da margem da pobreza, segundo o Panorama Social da América Latina de 2014, produzido pela Comissão Econômica para América Latina e Caribe (Cepal).

A forte redução da desigualdade social, estancada a partir de 2012, decorreu da ascensão de governos progressistas na Argentina, Bolívia, Brasil, Chile, Equador, Uruguai e Venezuela, que priorizaram estratégias de combate à pobreza e à fome, em busca da igualdade social.

Era o começo de uma nova história, nas palavras do filósofo Enrique Dussel; de uma primavera política de governos populares que permitiu que essas sociedades tomassem consciência das suas próprias capacidades, com independência dos tradicionais centros de poder, já que se priorizou a cooperação sul-sul e a integração latino-americana.

Macri, como empresário próspero, governará para o capital

Os sul-americanos exigem mudanças

As recentes eleições ocorridas na Argentina e na Venezuela nos deram a esperança de mudança de ares e perspectivas políticas, sociais e institucionais na América do Sul

Leia o artigo de Roberto Busato, ex-presidente do Conselho Nacional da OAB

Concordando ou não com essa interpretação, é certo que a região viveu um período de expansão econômica, crescendo em média 4,5% a 5% ao ano, aproveitando os bons preços internacionais das commodities. Mesmo nesse ambiente favorável, poderia ter se aprofundado a linha abissal da pobreza, caso se mantivesse a fórmula do Consenso de Washington e as receitas do Banco Mundial e do FMI que provocaram a recessão econômica do fim dos anos 90.

A crise internacional de 2008, as limitações e desvios dos governos progressistas, bem como a resistência das elites econômicas provocaram a deslegitimação desses governos. Em maior ou menor medida, a crise econômica aprofundou a polarização da sociedade, acirrou o discurso do ódio e da intolerância, dando espaço para o ressurgimento de governos conservadores.

A vitória da oposição na Venezuela demonstra que o país está inclinado a superar a revolução bolivariana. A Argentina é outro recente exemplo dessa guinada à direita.

Em seu discurso de posse, Macri se comprometeu com a pobreza zero, com a proteção social das crianças e com a educação, além de assegurar que respeitaria as instituições de Estado e que buscaria um governo de consenso. No entanto, já nas primeiras 72 horas de governo baixou 29 decretos em desrespeito à Constituição do país, bem como às competências do próprio Congresso argentino, deixando descontentes até mesmo seus aliados. Dentre as medidas mais polêmicas, nomeou dois juízes para a Corte Suprema sem a aprovação do Senado e alterou a lei de comunicação e da educação. Por faltar com a verdade e a sinceridade, palavras tão invocadas em seu discurso de posse, enfrentou a primeira manifestação popular em frente à Casa Rosada.

Não há qualquer dúvida de que Macri, como empresário próspero, governará para o capital. Os decretos demonstram claramente a adoção de um pacote ortodoxo, voltado aos interesses privados e sem nenhuma medida para os setores populares. As alterações econômicas realizadas já produzem impacto no salário dos trabalhadores.

Assim como na Venezuela e nos demais países da América do Sul, uma mudança governamental que priorize as regras de mercado sem políticas de inclusão social resultará, indubitavelmente, no aprofundamento da divisão social, com a retomada do empobrecimento da população. Um verdadeiro retrocesso de difícil recuperação.

Gisele Ricobom é professora do curso de Relações Internacionais e Integração e do Mestrado em Integração Contemporânea da América Latina da Unila.
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