• Carregando...
 | /Pixabay
| Foto: /Pixabay

Sou fotógrafo documentarista. Fui criado na Califórnia e hoje moro em Nova York e, às vezes, tenho a impressão de já ter vivido duas vidas, mas não por causa das mudanças geográficas. Pouco mais de dois anos atrás, quando tinha 23 anos, sofri uma lesão na medula quando praticava mergulho em um penhasco no Rio Yuba, em Northern California. Em questão de segundos, tornei-me um deficiente.

Como fiquei paralisado da cintura para baixo, passei a usar a cadeira de rodas. Os médicos não podiam garantir que eu voltaria a andar, mas fui perseverante. Um ano depois, tinha recuperado alguma capacidade de movimento. Não reconquistei a sensibilidade na metade inferior do corpo, mas consegui voltar a andar.

Isso foi quando me mudei para Nova York para estudar. A forma como a cidade se distribui me forçava a andar cada vez mais. Caminhava tanto que acabei lacerando completamente um dos meus calcanhares (como não sinto nada, não percebi que tinha me ferido), e o médico me mandou de volta para a cadeira de rodas até que meu pé se recuperasse.

Decidi, então, que aproveitaria o período ao máximo, fotografando para mostrar a Nova York que se vê de outro ângulo – e o que começou como um projeto divertido rapidamente evoluiu quando percebi como as pessoas me tratavam quando estava na cadeira.

Descobri rapidinho que a falta de acessibilidade no sistema metroviário municipal só aumenta a frustração e a humilhação

Muita gente automaticamente assumia que eu era sem-teto, ou estava pedindo dinheiro. Algumas pessoas me evitavam; outras me encaravam. Embora várias tenham demonstrado consideração e gentileza, a maioria não fez isso. Descobri que, quando você está em uma cadeira de rodas em público, raramente há meio-termo. Não há espaço normalizado nesse momento ou, em termos mais generalizados, na sociedade. E foram esses instantes que eu quis registrar nessas fotos.

Em um dos meus primeiros dias de volta à cadeira, decidi descer a Houston Street para tomar café com um amigo. Era um lindo dia de outono – que, aliás, sempre foi a minha estação favorita do ano, é quando me sinto mais feliz. Queria ver a hora no celular, mas, como ele estava sem bateria, me aproximei de um casal jovem e bem-vestido na esquina da Houston com a Segunda Avenida. Olhando para cima, fiz contato visual com o homem. Sua expressão mudou na hora; pegando a mulher pelo braço, afastou-se rapidamente, murmurando um “Desculpe, não temos trocado”.

Segurei as rodas com força e parei um minuto. Naquele momento, não notei as árvores, com suas folhas amarelas e vermelhas; não prestei atenção no ar gelado, nem nas nuvenzinhas no céu azul, muito menos nos murais coloridos que enfeitavam os prédios. Só percebi minhas mãos frias. A cabeça que doía. A dor no nervo pulsando nas minhas pernas.

Leia também: Como os livros salvaram a minha vida (artigo de Kevin Powers, publicado em 19 de junho de 2018)

Nossas convicções: A dignidade da pessoa humana

Descobri rapidinho que a falta de acessibilidade no sistema metroviário municipal só aumenta a frustração e a humilhação. Nas estações, os elevadores que levam às plataformas geralmente estão quebrados e é raro haver estações acessíveis aonde eu preciso ir. Não deveria andar, mas às vezes sou forçado a pedir a alguém que leve minha cadeira escada acima ou abaixo, enquanto tento como posso seguir a pé, correndo o risco de desenvolver outra lesão ou infecção.

Na plataforma, nos horários de pico, quando os trens lotados chegam à estação, já há dezenas de passageiros amontoados na frente das portas do vagão, esperando para entrar. Não consigo forçar a entrada com a cadeira em meio a essa parede humana. Na maioria das vezes, tenho de esperar passar vários trens antes de ver que há algum espaço para mim – e, mesmo assim, lá dentro me vejo cercado de gente por todos os ângulos. Minha linha de visão consiste em cotovelos, nádegas, pés e mãos segurando telefones. Não vejo o rosto de ninguém.

Leia também: O problema do cachorro francês do homem cego (artigo de Adam Linn, publicado em 21 de outubro 2018)

Nossas convicções: Os responsáveis pelo bem comum

A prefeitura calcula que há quase 100 mil cadeirantes na cidade de Nova York, mas pouco mais de 25% das estações de metrô são acessíveis. Grupos ativistas como o People’s MTA, o Centro para a Independência do Deficiente de Nova York e o Transportation Alternatives vêm pressionando as autoridades locais para que tornem o transporte público acessível a todos.

Às vezes parece que minha vida anterior ao acidente foi um sonho. Mal me lembro de como era ser apto fisicamente. Tenho uma ideia geral, mas os detalhes me escapam.

Minha experiência me alertou para o fato de que os direitos dos deficientes são muito mais negligenciados do que deveriam. Ela me deu um ponto de vista diferente e uma admiração renovada pelas muitas pessoas com deficiências que têm de lutar todo dia para viver em um mundo que não fez e não faz muita coisa para acomodá-las.

Nolan Ryan Trowe é fotógrafo documentarista em Nova York.
The New York Times News Service/Syndicate – Todos os direitos reservados. É proibido todo tipo de reprodução sem autorização por escrito do The New York Times.
0 COMENTÁRIO(S)
Deixe sua opinião
Use este espaço apenas para a comunicação de erros

Máximo de 700 caracteres [0]