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| Foto: Daniel Caron/Gazeta do Povo

A safra 17/18 para as culturas anuais caminha para seu fim e tende a ficar na memória do produtor como um dos melhores anos da história. A combinação entre excelente produtividade – principalmente para o caso da soja e do algodão – e preços elevados propiciou uma geração de caixa significativa pela atividade agrícola. Mesmo para o milho, cuja colheita se inicia e se espera uma quebra de produção, a melhora das cotações tende a ajudar a sustentar os resultados em patamares razoáveis. Os olhos se voltam agora para a safra 18/19, e embora se espere resultados financeiros satisfatórios (ainda que menor que a do ano anterior), ela traz alterações relevantes no ambiente de negócios que aumentam o risco da atividade, e, portanto, devem estar no radar do gestor agrícola.

A primeira delas diz respeito ao legado da greve de 11 dias dos caminhoneiros ocorrida em maio último. Além do impacto atual, que já pode ser sentido pela “paradeira” dos mercados de grãos dada a indefinição do valor do frete, é de se esperar um aperto logístico para a entrega de fertilizantes e defensivos diante do atraso da interiorização de tais insumos, seja pelo atraso do desembarque nos portos brasileiros seja pela ausência de frete de retorno. Assim, soma-se ao possível aumento do frete – que deve inflacionar o custo – o risco de disponibilidade do insumo no período de plantio.

A combinação entre excelente produtividade e preços elevados propiciou uma geração de caixa significativa pela atividade agrícola

Não podemos deixar de mencionar que essa incerteza logística tem estimulado uma alteração na modalidade de contratação da entrega de insumos, migrando das aquisições CIF – em que se negocia a entrega dos fertilizantes na fazenda – para FOB, em que o produtor é o responsável pela busca do insumo. Adicionalmente à elevação de custo, já que o produtor não possui o mesmo poder de barganha na contratação do transporte, isso implica em mais uma variável para o empresário agrícola gerenciar e, portanto, um fator de aumento no risco da atividade.

Os efeitos da greve ainda se farão sentir pelos preços futuros menores, na margem, oferecidos pelos players que compram as commodities brasileiras. Isso porque mesmo que haja uma solução definitiva para o imbróglio dos fretes, tais agentes de mercado tendem a incluir a partir de agora um valor maior para o transporte no momento de precificar os grãos nas fazendas com o objetivo de minimizar eventuais alterações no custo desse componente. Soma-se a isso a dificuldade que tais players têm enfrentado para (proteger) as compras a serem feitas no Brasil para a próxima safra dada a redução da correlação dos preços nacionais com os valores de Chicago em meio à escalada da tensão comercial entre Estados Unidos e China. Nesse cenário, é de se esperar que o financiamento da lavoura através das operações de trocas (barter) fique menos atrativo, ampliando a vantagem competitiva dos produtores que estão preparados para financiar a lavoura com capital próprio ou acessar financiamento via bancos.

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Alterações significativas também sopram do lado econômico com o mundo ficando cada vez mais perigoso. Isso se deve, principalmente, à intensificação das políticas protecionistas adotadas pelo governo norte-americano – que tem gerado uma série de retaliações semelhantes por parte dos outros países –, e ao encerramento do ciclo de flexibilização monetária no próprio Estados Unidos, que também pode ser seguida pelo aumento de juros na Europa. Além disso, existem diversas incertezas relacionadas à economia brasileira, cuja perspectiva de recuperação tem sido revista negativamente diante do crescente risco fiscal e também do cenário eleitoral ainda bastante indefinido.

Desta forma, a expectativa é por uma redução do comércio global, elevação dos juros internacionais, maior prêmio de risco para o Brasil, e, possivelmente, uma moeda mais desvalorizada e volátil. Embora esse último fator possa ajudar na precificação dos produtos exportáveis, essa piora do panorama econômico pode se refletir, em algum momento, em redução dos níveis de liquidez e, portanto, dificuldades no refinanciamento da atividade. Cenário semelhante ao que foi observado no Brasil nos anos de 2015 e 2016.

Portanto, diante de toda essa mudança no ambiente de negócios e do consequente aumento da percepção de risco, é recomendável que o produtor seja prudente como nunca no gerenciamento do seu fluxo de caixa – com especial atenção ao descasamento cambial – e também nas decisões de investimento, de modo a preservar a saúde financeira da empresa agrícola e não se colocar em posição de grande fragilidade.

Guilherme Bellotti é analista sênior de Agronegócio do Itaú BBA.
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