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São Tomás, smartphones proibidos nas escolas e a hipnose virtual dos nossos dias

Deixados nas mãos das crianças e adolescentes sem supervisão, como é comum, os celulares têm mostrado danos significativos no desenvolvimento cognitivo, social e emocional
Deixados nas mãos das crianças e adolescentes sem supervisão, como é comum, os celulares têm mostrado danos significativos no desenvolvimento cognitivo, social e emocional (Foto: Imagem de Mirko Sajkov por Pixabay)

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Em um mundo onde a tecnologia avança a passos largos, é cada vez mais comum ver crianças e adolescentes grudados em seus smartphones, como se estivessem hipnotizados por uma tela brilhante. Recentemente, a proibição do uso desses dispositivos nas escolas de educação básica reacendeu um debate importante: até que ponto a tecnologia está moldando (ou deformando) a natureza humana? E, mais importante, como podemos equilibrar os benefícios da tecnologia com a necessidade de preservar nossa essência?

São Tomás de Aquino, filósofo e teólogo, um das maiores inteligência da história da humanidade e que não utilizava smartphones, certa vez disse: "A graça não substitui a natureza". Essa máxima, escrita há séculos, parece ecoar com uma atualidade surpreendente em nosso cotidiano. A "graça" da tecnologia divinizada pelos homens (lembram-se do bezerro de ouro?), com toda a sua conveniência e fascínio, não pode e não deve substituir a natureza humana – nossa capacidade de pensar, sentir e interagir de maneira autêntica como seres criados à imagem e semelhança de Deus. No entanto, é exatamente isso que parece estar acontecendo em nossa sociedade, especialmente entre os mais jovens e por isso mais incautos.

Precisamos encontrar um equilíbrio entre o virtual e o real, entre a tecnologia e a natureza humana. E, quem sabe, essa proibição seja o pontapé inicial para uma reflexão mais ampla sobre o papel da tecnologia em nossas vidas

A psicanálise clínica nos oferece uma lente interessante para entender esse fenômeno. Sigmund Freud, o pai da psicanálise, falava sobre a "hipnose" como um estado de fascínio e submissão a algo externo. Hoje, podemos dizer que os smartphones desempenham um papel de similaridade. Eles nos hipnotizam, nos levando a um estado de dependência quase compulsiva. Tenho observado este fenômeno tanto em salas de aula como também em consultório. Quantas vezes já nos pegamos rolando a tela do celular sem nenhum propósito, como se estivéssemos em transe? E o que dizer das crianças, que muitas vezes parecem mais conectadas ao mundo virtual do que ao real? Aliás, o virtual é real?

A proibição do uso de smartphones nas escolas é, portanto, uma medida que vai além da simples disciplina. É um chamado para resgatar a atenção, a concentração e, acima de tudo, a humanidade dos nossos alunos. Afinal, como podemos esperar que as crianças desenvolvam habilidades sociais, emocionais, morais e cognitivas se estão constantemente distraídas por notificações, jogos e redes sociais?

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Mas não nos enganemos: a questão não é demonizar a tecnologia. Ela é, sem dúvida, uma ferramenta poderosa e indispensável em muitos aspectos da vida moderna e é também um caminho sem volta. O desafio hodierno está no uso excessivo e desequilibrado, que nos leva a negligenciar nossa natureza humana criada à imagem e semelhança de Deus. Como bem lembrou o Aquinate, a graça (neste caso, de maneira metafórica, a tecnologia) deve complementar a natureza, não substituí-la, para que a verdadeira Graça Divina possa nos tornar mais generosos aos planos do Criador.

É interessante notar que, ao proibir os smartphones nas escolas, a sociedade está, de certa forma, resgatando um princípio básico da educação: a importância do contato humano, da troca de ideias e da construção de conhecimento de forma coletiva. Afinal, a escola é um espaço de convivência e não de conveniência nem tampouco de conivência, de aprendizado e de formação de indivíduos – não somente um lugar para consumir conteúdo digital.

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Claro, há quem argumente que os smartphones são uma ferramenta de aprendizado. E, de fato, eles podem ser. Mas como psicanalista, educador e pai preciso lembrar que a educação não se resume à transmissão de informações. Ela envolve a formação do caráter, o desenvolvimento do pensamento crítico e a capacidade de se relacionar com os outros. E tudo isso exige, acima de tudo, presença – algo que os smartphones, muitas vezes, nos roubam.

Portanto, a proibição dos smartphones nas escolas pode ser vista como um pequeno passo para resgatar nossa humanidade em meio à hipnose virtual dos nossos dias. É uma oportunidade para refletir sobre como estamos usando a tecnologia e, principalmente, como ela está nos usando. Afinal, como bem disse São Tomás, a graça não substitui a natureza – e, no caso dos smartphones, talvez seja hora de lembrarmos disso.

Como sociedade, precisamos encontrar um equilíbrio entre o virtual e o real, entre a tecnologia e a natureza humana. E, quem sabe, essa proibição seja o pontapé inicial para uma reflexão mais ampla sobre o papel da tecnologia em nossas vidas. Afinal, como bem sabia o Boi Mudo, a verdadeira graça está em saber usar os recursos que temos sem perder de vista o que realmente importa: nossa essência.

Luiz Felippe Matta Ramos é psicanalista e docente universitário.

Conteúdo editado por: Jocelaine Santos

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