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Um trabalhador da saúde realiza teste de Covid-19 em uma estação improvisada de testes de Covid-19 no centro de Seul, na Coreia do Sul, em 08 de agosto de 2021.
Um trabalhador da saúde realiza teste de Covid-19 em uma estação improvisada de testes de Covid-19 no centro de Seul, na Coreia do Sul, em 08 de agosto de 2021.| Foto: Divulgação/Yonhap News/Agência EFE

Independentemente da complexidade sanitária, dos desafios científicos e tecnológicos em saúde, a pandemia expõe conflitos e problemas latentes não apenas de nossos sistemas de saúde ou da economia, mas de nossos modos de morar, locomover, trabalhar, cuidar, celebrar. Expõe o nosso modo de se organizar e viver em sociedade, local e globalmente. São problemas complexos que não permitem soluções simplistas.

A pandemia, desde seus momentos iniciais, segue a exigir respostas complexas e muitas ainda desconhecidas. Envolvem uma combinação de medidas de predição e vigilância epidemiológica, médico-hospitalares, sanitárias, tecnológicas, sociais e econômicas. Caracterização genômica incessante do vírus, testagem na ordem de milhões de cidadãos, oferta de vacinas em diversas bases tecnológicas, ampliação de milhares de UTIs, distanciamento social, novos mecanismos de proteção social e de postos de trabalho. De modo singular, a pandemia da Covid-19 exige análises e medidas muito além da dimensão sanitária clássica. Em praticamente todos os países do mundo, sobressaiu no enfrentamento da pandemia o papel do Estado e dos governos, com raras exceções.

Mesmo que escanteados, sobretudo nas três últimas décadas de neoliberalismo, são os arranjos institucionais de saúde universal, como o SUS, seguridade social e flexibilidade do sistema produtivo que apontam, se não para saídas da crise, ao menos caminhos para reconversões mais estruturantes e sustentáveis.

A dificuldade em adquirir respiradores e outros insumos, além da clara dependência externa de vacinas, expôs uma fragilidade do sistema de saúde e uma lacuna injustificável na capacidade produtiva nacional. Um “SUS com pés de barro”, ao registrar o déficit comercial do país em saúde, com dependências em praticamente todas as frentes, como medicamentos, testes diagnósticos, equipamentos e materiais médico-hospitalares, além de pagamentos internacionais de royalties e serviços.

Em síntese, podemos afirmar que há um enorme descompasso entre ofertar serviços de saúde, públicos ou privados de qualidade, no volume necessário à população, e a base industrial em saúde do país. A base industrial nacional em saúde não sustenta as necessidades dos serviços de saúde do país. Resultado: exportamos renda, pagamentos internacionais em escalas de bilhões de dólares para acesso a produtos de toda natureza para nossos serviços de saúde. A pandemia escancarou o que já era crítico, a enorme dependência internacional do país em saúde.

Há saídas possíveis para reverter esse quadro e conferir ao sistema de saúde brasileiro condições mais soberanas, com mais acesso da população a serviços e produtos de saúde e mais riqueza sendo gerada no país e em cada estado da Federação? A receita pode ser compreendida enquanto uma equação que articule de modo virtuoso, a ciência, o desenvolvimento tecnológico, o desenvolvimento industrial e a oferta de serviços de saúde. Destaca-se o papel dos estados, como indutores ativos, por meio de políticas e ações governamentais que compreendam e valorizem a saúde como espaço diferenciado para o desenvolvimento econômico e sociossanitário.

O desenvolvimento do complexo da saúde tem o duplo papel de vetor de crescimento econômico e pilar da saúde pública universal. Sem capacidade nacional de pesquisa, desenvolvimento e produção de testes, vacinas, equipamentos e profissionais qualificados, o atendimento aos cidadãos dependentes do SUS, mas igualmente no segmento privado, dos planos de saúde, seguirá comprometido, seguindo vulnerável em “tempos normais” e criando catástrofes sociais nos períodos de pandemia, nos deixando de joelhos frente aos humores do fornecimento internacional.

Sem aportes expressivos e contínuos para a pesquisa e o desenvolvimento tecnológico e produtivo nacional, seguiremos vulneráveis. Apenas para as vacinas para Covid-19 em 2021, estima-se que serão aplicados montantes acima de R$ 20 bilhões, a maior parte em compras internacionais, além de royalties anos à frente. Investimentos em pesquisa e desenvolvimento (P&D) anos atrás, em valores seguramente bem inferiores, propiciariam uma vacina inteiramente nacional. O déficit da balança comercial em saúde triplicou nas últimas décadas e ameaça, talvez de modo inexorável, o direito à saúde e à vida, em padrões civilizados, no Brasil no século 21, pelas previsões que podemos fazer no contexto pandêmico e pós pandêmico.

Ao mesmo tempo que o país tem um dos maiores sistemas públicos de saúde do mundo, a desindustrialização da saúde no Brasil é uma realidade. Em outras palavras, temos demanda e não temos oferta de bens e produtos para a saúde. O Estado e os governos são os maiores compradores desses bens e produtos. Como resultado, a saúde é vista de forma míope como geradora de despesas! Saúde como investimento significaria a compreensão sobre a importância do acesso a serviços de qualidade, investimento na saúde dos indivíduos e da coletividade. Investir na industrialização nacional da saúde, com adequadas políticas de compras nacionais, investimento em pesquisa e desenvolvimento interno. Resultado: saúde é investimento, geração de renda, emprego e soberania.

Política de saúde, política industrial, política de pesquisa e desenvolvimento devem fazer parte de uma mesma equação. Os governos possuem clara responsabilidade e instrumentos capazes de dotar essa equação de efeito virtuoso. Ela deve ser concebida em plano nacional, mas o papel dos estados não pode ser menosprezado. O campo da saúde no estado não pode ser restrito a uma concepção clássica, e passiva, de mera fornecedora e/ou pagadora de serviços e repassadora de recursos a municípios, descasado de políticas de pesquisa e desenvolvimento e industrial em saúde. Compreender e atuar na dinâmica do fortalecimento do complexo econômico-industrial (serviços incluídos) da saúde em cada estado é, sim, papel da esfera estadual de governo.

Poucos estados articulam de modo virtuoso esse desafio, assumindo a saúde como pilar do desenvolvimento. O caso específico do Paraná tem potencialidades destacadas, com uma estrutura científica e tecnológica assentada em várias universidades, centros de pesquisa e empresas. A estrutura de serviços de saúde públicos e privados é das mais reconhecidos do país. A indústria local é ainda incipiente na área de produtos e bens para a saúde, mas com empresas que já se destacam no cenário nacional.

Essa agenda mobiliza os países centrais, onde ajustes expressivos nas políticas assumem a saúde como vetor do desenvolvimento e estratégia de soberania. A saúde, mais ainda com o aprendizado desta pandemia, dá pistas claras para um novo padrão de políticas públicas, articulando a dimensão social, o incentivo à inovação, a reindustrialização do país e novas políticas ambientais. Os estados da Federação podem assumir essa agenda e o Paraná tem grandes potencialidades para uma posição destacada no complexo da saúde, articulando-se com a retomada do desenvolvimento no país.

Pedro Ribeiro Barbosa é diretor-presidente do Instituto de Biologia Molecular do Paraná (IBMP). Carlos Augusto Grabois Gadelha é coordenador do Centro de Estudos Estratégicos da Fiocruz.

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