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É visível que, há tempos, existe um claro processo de securitização de vários temas da agenda internacional. Grosso modo, isso significa que temas que em princípio seriam tratados em outras esferas, como a da política, por exemplo, passam a ser enquadrados sob a lógica da segurança internacional. Este é o caso, por exemplo, da recente epidemia de ebola.

Em vez de ser enfrentada dentro da esfera humanitária, ou da saúde internacional, ela ganha contornos claramente securitários. Esse processo culminou quando, em setembro, o Conselho de Segurança da ONU, em sua Resolução 2.177, declarou a epidemia de ebola como "uma ameaça à paz e segurança internacionais". Tal resolução evidencia nitidamente o manifesto alargamento que a ideia de segurança internacional sofreu desde a Guerra Fria até hoje.

No passado, durante a Guerra Fria, o eixo gravitacional da ideia de segurança internacional era o Estado. Desse modo, este era o único ente a ser seguro. Não por acaso, a segurança adquiria o seu viés mais duro, militarista, e ficava subordinada à estratégia. Sob essa ótica, a principal ameaça à segurança internacional consistia essencialmente em elementos que afetassem a segurança estatal, como, por exemplo, a proliferação nuclear e, sobretudo, um conflito armado aberto entre dois Estados beligerantes. Nesse contexto, falar de uma epidemia, por mais grave que fosse, como uma real ameaça à paz e à segurança internacionais era, no mínimo, insano.

No pós-Guerra Fria, a ideia de segurança modifica-se profundamente. Além do Estado, os indivíduos são também entendidos como entes a serem seguros. Desse modo, o racional securitário altera-se do seu foco único na segurança estatal para passar a problematizar também as inseguranças dos indivíduos, tendo em conta suas vidas cotidianas, em suas distintas esferas. Consequentemente, a noção de segurança alarga-se consideravelmente e passa a incluir na sua gramática outros elementos como, por exemplo, alimentação, educação, saúde, emprego e meio ambiente. Assim, outras esferas e dinâmicas, não somente aquelas ligadas ao Estado e à sua sobrevivência, passam a ser entendidas como centrais no cenário internacional justamente por afetarem diretamente a vida das pessoas.

Contudo, há um lado perverso desse mesmo processo ao qual é preciso dar visibilidade e que é necessário combater. Durante esse alargamento, houve uma outra alteração paradigmática importante, porém silenciosa. Dentro da narrativa internacional mais ortodoxa, a segurança do Norte global está intimamente ligada às inseguranças do Sul. Mais precisamente, o Sul global é regularmente enquadrado como a principal fonte das ameaças à segurança do Norte.

Esse tipo de raciocínio amplia perigosamente a margem para intervenções nos países do Sul, o que certamente é bastante preocupante. Isso ocorre pois, dentro dessa lógica, o aumento da segurança do Norte passa, fundamentalmente, pela interferência nos Estados do Sul e, no extremo, por profundas transformações em suas sociedades. Logo, apesar de esse alargamento ser muito positivo, é preciso evitar uma leitura ingênua do mesmo, pois tais intervenções normalmente ocorrem de modo a manter ou avançar os interesses do Norte global, mesmo estando frequentemente sob uma narrativa benéfica de superação das inseguranças do Sul.

Ramon Blanco, doutor em Relações Internacionais, é professor da Universidade Federal da Integração Latino-Americana (Unila).

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