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Mural retrata o falecido presidente da Venezuela, Hugo Chávez, no centro de Caracas
Mural retrata o falecido presidente da Venezuela, Hugo Chávez, no centro de Caracas| Foto: FEDERICO PARRA/AFP

Em recente viagem à Argentina percebi que todos os motoristas de Uber eram venezuelanos.  Eu perguntava aos venezuelanos de Buenos Aires se a Argentina ia virar outra Venezuela. Uns diziam “sim, é um dejá vu”; outros diziam que “nunca, a economia argentina é mais diversificada. Nosso Congresso não vai permitir isso”. Também perguntei em que momento eles decidiram fugir da Venezuela para a Argentina. Nunca vou esquecer a resposta chocante: “quando perdemos a esperança”.

Segundo a agência de refugiados da ONU, quase 7 milhões de venezuelanos fugiram do país nos últimos anos por causa do regime socialista (25% da população). Há mais refugiados venezuelanos no mundo do que refugiados ucranianos. E a Venezuela nem está sendo atacada por um inimigo externo.

O que significa perder a esperança? Um venezuelano deu o exemplo de sua família. “Minha mãe trabalhou 50 anos como professora universitária. Ao se aposentar, ganhou uma pensão de 8 dólares (40 reais) ao mês. Não podíamos viver assim”, contou. Lembrei do discurso do Lula dizendo que a classe média no Brasil ostenta acima do necessário e fiquei preocupado. E tenho apenas uma única TV lá em casa.

Definir políticas públicas simplesmente por linhas ideológicas tem sido um erro histórico. A dicotomia direita X esquerda é falsa – apenas tem servido como pretexto para colocar outro grupo no poder.

Segundo Chávez, a Venezuela precisava "transcender o capitalismo" através do socialismo. E ele fez a Revolução Bolivariana. Foi eleito e começou a mudar a Constituição, transformando um dos países mais avançados da América Latina no mais atrasado de todos. Por exemplo, no Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) da ONU – que mede não só desempenho econômico, mas também o desenvolvimento social – a Venezuela estava na 64ª posição no mundo em 1995. Agora está na 120ª posição. Apenas nos últimos seis anos a Venezuela cai 41 posições, sendo objetivamente o pior exemplo de degradação socioeconômica no mundo. Queremos isso para o Brasil?

Isso me lembra outra Revolução, a francesa. Como todas as grandes revoluções na história, aquela aconteceu quando o povo, unido, invadiu em massa a prisão da Bastilha e libertou milhares de prisioneiros que saíram gritando Liberdade! Igualdade! Fraternidade! Certo? Não, errado. Havia apenas sete prisioneiros na Bastilha, sendo que quatro eram falsários. O povo não saiu unido gritando pelas ruas. A Revolução Francesa, como todas as revoluções, foi resultado de um processo sofrido, tortuoso e gradual.

Além de resultar na decapitação de umas 40 mil pessoas na guilhotina e ter eventualmente colocado Napoleão – que nem era francês – como imperador da França, a Revolução Francesa contribuiu para definir a nomenclatura mais aceita hoje em dia para definir espectros políticos: direita X esquerda. Durante a Revolução Francesa, os que eram contra a monarquia se sentaram do lado esquerdo da Assembleia e os que eram a favor se sentaram do lado direito.

A Revolução Francesa não foi uma revolta do povo. No fundo, ela aconteceu porque forças produtivas da burguesia emergente se rebelaram contra uma nobreza privilegiada que não produzia nada. Os que trabalhavam se revoltaram contra os que não trabalhavam.

Quem disse isso não fui eu, mas Karl Marx. Ele via a Revolução Francesa como uma "revolução burguesa", na qual o capitalismo derrubou a monarquia. Esse fato inspirou Marx a julgar que, num momento seguinte, o proletariado se rebelaria contra a burguesia e o comunismo sucederia o capitalismo. Para quem não percebeu, a França continua capitalista.

Sabemos que essa teoria nunca funcionou na prática em nenhum lugar do mundo. Por que não? Exatamente porque os países comunistas nunca conseguiram equacionar muito bem a questão da produção. Eles souberam distribuir na marra a riqueza de quem produzia, mas sempre falharam miseravelmente ao tentar aumentar a produtividade em países onde todos, sem exceção, viravam funcionários públicos. É errado comparar capitalismo ao comunismo/socialismo: o primeiro é um modo de produção; o segundo é um conjunto de boas intenções.

Caso vocês não tenham percebido, algumas instituições que hoje governam o Brasil parecem funcionar como monarquias: ostentam funcionários com poderes absolutos produzindo pouco, enquanto recolhem impostos cada vez maiores daqueles que produzem tudo. Temos uma performance institucional medíocre. Por um lado, o Congresso aprovou reformas importantes como a da Previdência, independência do Banco Central, marcos legais do gás e saneamento básico. Mas ainda não conseguiu avançar nas reformas administrativa e tributária. Nessa última legislatura, nossos parlamentares apresentaram cerca de 17 mil projetos dos quais apenas 188 – cerca de 1% – se concretizaram em normas jurídicas, segundo um levantamento da revista Veja. Será que 99% dos projetos só desperdiçaram tempo e dinheiro?

Hoje em dia, nossos ministros do Supremo Tribunal Federal (STF) parecem ser mais conhecidos e xingados do que os jogadores da Seleção. Com o devido respeito, devo lembrar que o STF nos últimos anos teve o mérito de reduzir a fila com mais 100 mil processos para cerca de 20 mil através do plenário virtual, simplificação de procedimentos e outras medidas. Mesmo assim, há 11 juízes para lidar com cerca de 20 mil processos, uma média de 1.818 para cada um. Há ainda processos controversos causadores da politização do judiciário e do ativismo judicial.

Há quem diga que o problema não é excesso de judicialização, mas falta de boa política. O fato é que, como cidadãos, não temos meios para participar no suspeito e precário equilíbrio entre os que legislam e os que julgam. Mas por que tenho a impressão de que sempre saímos perdendo? Um simples exemplo: o fim da prisão em segunda instância – que serve sem dúvida nenhuma como incentivo à corrupção. Não me entendam mal, também temos excelentes políticos e juízes, um novo Congresso recentemente eleito, profissionais muito competentes na esfera pública, um setor privado vibrante que coloca o Brasil na posição de nona economia mundial, uma taxa de desemprego de 8.7%, o menor nível desde 2015, e um povo cada vez mais consciente.

Definir políticas públicas simplesmente por linhas ideológicas tem sido um erro histórico. A dicotomia direita X esquerda é falsa – apenas tem servido como pretexto para colocar outro grupo no poder. O indicador mais pertinente ainda é avaliar se um governo contribui para a qualidade de vida de seus cidadãos. Como disse Milton Friedman, “políticas públicas devem ser julgadas por seus resultados, não por suas intenções”.

Os países mais avançados mostram que o caminho para o desenvolvimento não se encontra em cartilhas ideológicas do século XIX, mas na tentativa de equilibrar o econômico, o social, o ambiental e o digital para o século XXI. Nesse momento, apenas tenho a esperança patriótica de que o Brasil continue a ser Brasil e que seja melhor para todos.

Jonas Rabinovitch é arquiteto urbanista e foi conselheiro sênior em inovação e gestão pública na ONU em Nova York.

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