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Em duas semanas, a onda de bancos digitais mostrou para o mercado que nem sempre criar serviços financeiros é um mar de rosas – na realidade, está bem longe disso. Ainda que o sonho de todo empreendedor de fintech seja criar um banco e isso signifique uma vitória, essa pode ser a pior ideia de todas.

Primeiro, vamos analisar o caso dos Neons (sim, existiam dois. Na verdade isso sequer deveria ser possível, mas como muita coisa no Brasil, sempre se consegue dar um “jeitinho”). A instituição financeira foi liquidada pelo Banco Central e imediatamente todas as suas operações acabaram, basicamente por dois motivos: 1) O banco estava usando o dinheiro dos seus clientes sem ter patrimônio líquido para cobrir. Todos as instituições fazem isso, sem exceção, mas o que acontece nos casos convencionais é que elas precisam reconhecer o uso do dinheiro no seu passivo para que, pelo menos contabilmente, o patrimônio líquido seja o suficiente para quitar todos os compromissos. 2) O Banco Central identificou uma falha grave nos processos de know your customer.

O know your customer é um processo por meio do qual bancos e empresas são obrigados a estabelecer regras para evitar que sejam usados para fins ilegais

O know your customer é um processo por meio do qual bancos e empresas são obrigados a estabelecer regras para evitar que sejam usados para fins ilegais (lavagem de dinheiro, terrorismo, tráfico e outros delitos). Até 11 de setembro de 2011, essas exigências não eram tão rígidas no mercado americano, o que impactava no mundo todo. Com o USA Patriot Act de outubro de 2011, o governo americano passou a exigir que as contas de todas as organizações fossem identificadas – pessoas físicas, todos os seus acionistas, independentemente da estrutura jurídica implementada. No Brasil, os marcos históricos para esse recrudescimento da fiscalização acontecer foram a Operação Lava Jato e o escândalo Panamá Papers.

Leia também: Para que devia servir um banco de fomento? (artigo de Jackson Bittencourt, publicado em 20 de março de 2018)

Opinião da Gazeta: Destravar o crédito (editorial de 17 de maio de 2018)

Mas voltemos ao caso Neon: no mesmo dia do anúncio da liquidação, o Banco Inter teve seus dados divulgados depois que um hacker obteve acesso a todos os sistemas, incluindo números de cartões de crédito e documentos dos clientes. Apesar de o banco negar, sabemos que esse é o primeiro estágio para tentar conter um problema desse tipo e que a probabilidade maior é que os dados tenham realmente sido roubados (até porque a análise foi feita por um site com muita credibilidade no ramo da tecnologia). Meu ponto aqui é que a regulação bancária é extremamente pesada, as autarquias têm mão de ferro em cima dessas instituições e não perdem tempo antes de fechar empresas ou puni-las. Há pouco mais de um mês o Banco Central emitiu uma circular a respeito de segurança cibernética, com o argumento de que queria evitar o que aconteceu no Inter. Coincidência? Não acredito nisso.

Mas por que ser um banco se com a tecnologia é possível criar a mesma experiência bancária sem ter que, de fato, se submeter às regulações bancárias? Veja o caso das instituições de pagamento: elas podem oferecer praticamente todos os serviços tradicionais com regras bem menos complexas e um modelo de negócio mais flexível. E nem sequer precisam conversar com o Banco Central antes de movimentarem mais de R$ 500 milhões por ano, o que lhes garante um sandbox regulatório natural semelhante ao que foi feito no México

Sinceramente, fintechs não deveriam se tornar bancos, uma vez que sendo uma instituição financeira terão um fardo regulatório que irá atrasar (se não acabar) com a sua capacidade de inovação e adaptação ao mercado. Instituições de pagamento são o mais puro exemplo de shadow banking. O termo criado em 2007 serve para descrever empresas financeiras não conectadas aos sistemas de liquidação dos bancos centrais, mas que desempenham um importante papel de inclusão financial. Quem seguir o caminho mais leve terá mais chances reais de inovar e criar produtos financeiros disruptivos em um mercado altamente regulado e competitivo, mas com riscos e ganhos enormes.

Piero Contezini é empreendedor e CEO da Asaas.
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