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Moradores de rua e segregação: políticas públicas precisam mudar

A criminalização de quem vive nas ruas ignora a dignidade humana. O Brasil precisa avançar com leis que promovam inclusão e proteção social. (Foto: Paulo Pinto/Agência Brasil)

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A rua, seja temporariamente ou permanentemente, é o local onde milhares de indivíduos “vivem”. Em qualquer cidade, em uma simples caminhada, é perceptível o crescimento do número de pessoas em situação de rua, também chamados de "moradores de rua", o que é preocupante. Segundo o Instituto Fome Zero, em dezembro de 2024, o Brasil contava com 308.277 indivíduos vivendo nas ruas.

Conforme o último estudo divulgado pelo Observatório Brasileiro de Políticas Públicas para a População em Situação de Rua, da Universidade Federal de Minas Gerais (OBPopRua/POLOS-UFMG), de 2023 para 2024 houve um aumento de aproximadamente 25% no número de indivíduos vivendo em situação de rua (moradores de rua) em todo o Brasil. Em dezembro de 2023, existiam 261.653 pessoas nessa condição, enquanto em dezembro de 2024 esse número subiu para 327.925, 14 vezes maior do que o registrado em 2013, quando havia 22.922 indivíduos vivendo nas ruas do país.

É crucial que o Estado incentive a humanidade e a dignidade dessas pessoas e trabalhe em conjunto para formar comunidades mais inclusivas e solidárias

Atento a essa situação, em 2024, por meio da Lei 14.821, o Brasil avançou no combate à situação de rua e na luta pelos direitos fundamentais dessas pessoas. Essa legislação, que estabelece a Política Nacional de Trabalho Digno e Cidadania para Pessoas em Situação de Rua (PNTC PopRua), tem como objetivo incentivar o aumento do nível educacional da população em situação de rua, além de proporcionar formação profissional e estabelecer mecanismos que facilitem o acesso ao emprego e à renda. Entretanto, a capital paranaense parece ir na contramão do óbvio.

As pessoas que vivem nas ruas são, frequentemente, objeto de uma narrativa criminalizante e preconceituosa, que as identifica como perigosas e socialmente indesejáveis. A perpetuação desse discurso, influenciado por uma perspectiva de “limpeza urbana”, tem se transformado em projetos de lei que, na verdade, reforçam e intensificam a criminalização e a marginalização da população em situação de rua.

Recentemente, na Câmara Municipal de Curitiba (CMC), por exemplo, foram apresentados dois projetos de lei que visam combater a pessoa em situação de rua e não a situação de rua. Um deles tem como objetivo proibir a instalação de abrigos temporários nas ruas da cidade. A norma foi apresentada ao Legislativo sob a alegação de que esse tipo de habitação temporária provoca “poluição visual” e contribui para o crescimento da criminalidade, sem especificar a origem dessa concepção equivocada.

Com apenas três artigos, a proposta proíbe a utilização de barracas, colchões e outros itens semelhantes em vias públicas ou em qualquer outro local que não seja destinado à construção de abrigos temporários. A justificativa é que “os espaços públicos devem garantir a urbanidade do tráfego de pedestres, veículos e acesso para atividades correlatas, conforme definidos em lei, e não para moradias não autorizadas”.

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Outro projeto que atenta contra os indivíduos em situação de rua estabelece uma série de procedimentos burocráticos para a entrega de marmitas na cidade. O documento, além de restringir a distribuição de refeições, estipula uma penalidade de R$ 5 mil para quem não cumprir as normas estabelecidas, que incluem autorização da prefeitura, registro na Fundação de Ação Social (FAS), apresentação de documentos, horários determinados e a presença da Guarda Municipal.

Além desses pontos, o projeto também prevê a limitação dos locais de distribuição e critérios para selecionar quem pode ou não receber os alimentos. Na prática, de forma categórica, é forçoso apontar que, se aprovado, o projeto inviabilizaria qualquer tipo de distribuição de comida para os moradores de rua, o que acentua a invisibilidade dessas pessoas. Essa invisibilidade não é apenas uma mera percepção, mas uma barreira social.

A ausência de representação política da população em situação de rua já é um aspecto cruel dessa realidade. Contudo, o que observamos é uma política direcionada contra esses indivíduos. Dessa forma, Curitiba caminha para uma postura antiquada e preconceituosa, que precisa ser combatida vigorosamente, já que é crucial que o Estado incentive a humanidade e a dignidade dessas pessoas e trabalhe em conjunto para formar comunidades mais inclusivas e solidárias.

Pedro Felipe Silva é bacharel em Ciência Política, bacharelando em Direito e especialista em Políticas Públicas.

Conteúdo editado por: Jocelaine Santos

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