Algumas medidas urbanísticas propostas pela Câmara Municipal e pela Prefeitura Municipal podem causar algumas indagações. Ainda que o objeto de ambas – uma em defesa dos animais e a outra em benefício da convivência pacífica entre vários meios de transporte no centro da cidade – sejam meritórias em suas pretensões, nenhuma das duas sobrevive a uma análise crítica que considere as estruturas institucionais em que tais medidas produzirão efeitos. A primeira delas se refere à proibição da circulação de carroças puxadas por animais no perímetro da cidade de Curitiba. A outra, à implantação das denominadas “vias calmas”.
É notório que os animais têm ganhado cada vez mais adeptos em sua defesa; é cada vez mais comum pessoas adotando animais de estimação – animais, aliás, que merecem toda a nossa consideração. O problema é que, estando proibidas as carroças com tração animal, o mesmo não ocorre no que se refere aos carrinhos puxados por um outro animal: o ser humano. Ainda são visíveis na cidade senhoras, senhores e crianças puxando as carroças nas quais são coletados sobretudo papéis, papelões e outros recicláveis. Vê-se os carrinhos tornando o trânsito ainda mais lento em várias regiões do Centro (sim, no mesmo Centro em que estão sendo implementadas as vias calmas). Puxados por seres humanos.
Nosso destino são carroças humanas e vias calmas angustiantes
- A cidade e seus (calmos) limites (artigo de Maria da Graça Rodrigues Santos, publicado em 12 de novembro de 2015)
- O animal responsável e a irresponsabilidade humana (artigo de Francisco Razzo, publicado em 6 de outubro de 2015)
- Uma verdade inconveniente (artigo de Anderson Furlan, publicado em 6 de outubro de 2015)
Ninguém pode me convencer dizendo que os outros animais merecem nossa preocupação e proteção, mas o animal pensante não. Este continua puxando seus carrinhos de madeira como se outros animais fosse – com a diferença de que, se fossem outros, estariam proibidos de assim proceder.
Todo mundo sabe que os puxadores de carrinhos coletores de lixo reciclável normalmente não escolheram exatamente este como sendo o seu presente e o seu futuro e o dos filhos, muitas vezes imersos, confundindo-se com o próprio lixo recolhido. Essa atividade é o que lhes sobra, em razão de não contarem com outra qualificação, já que não há trabalho decente para todos. Logo, proibiu-se que animais sejam usados para puxar carroças, mas esqueceu-se de combinar com a realidade, para que esta presumisse que pessoas também não devessem ser vistas à frente das carroças.
Quanto às vias calmas, sim, é claro, estamos copiando a experiências de grandes centros urbanos desenvolvidos (como Estocolmo, Copenhague, Londres ou Paris); queremos privilegiar os pedestres e as bicicletas (estas, aliás, matando muita gente nos últimos tempos); queremos induzir a população a usar o transporte coletivo; mas, mais uma vez, distraídos que somos, esquecemos de combinar com a realidade, abstraímos que não dispomos de metrô como as cidades citadas, nem de outros meios de transporte coletivo que não sejam um inferno sobre rodas, em que mulheres são acuadas, os horários são apenas sugestivos e a insegurança é uma constante.
Nosso destino, portanto, são carroças humanas e vias calmas angustiantes, mal pavimentadas, perigosas para os ciclistas e irritantes para qualquer um.



