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Quantos acidentes poderiam ser evitados se os motoristas dormissem o suficiente antes de pegar a estrada? A resposta é alarmante. Estudos indicam que até 40% dos acidentes em rodovias federais têm relação direta com a sonolência, embora apenas 3% sejam oficialmente registrados como tal. Se cruzarmos esses números com os mais de 35 mil óbitos anuais no trânsito brasileiro, falamos em cerca de 14 mil vidas perdidas por uma causa evitável: o sono negligenciado.
Preocupa que a sonolência ao volante ainda seja tratada como um fator secundário nas estatísticas. Ela é invisível, mas letal. Não deixa odor no bafômetro nem marcas claras na perícia. Por isso, costuma ser mascarada sob rótulos genéricos como “distração” ou “reação tardia”, categorias que respondem por até 30% dos sinistros com vítimas. É uma epidemia silenciosa, que passa despercebida nos boletins de ocorrência, mas destrói famílias e carreiras.
Durante anos, faltaram exames acessíveis e políticas públicas eficazes voltadas à realidade dos motoristas. A Resolução CONTRAN 927/22, que tornou obrigatória a avaliação de risco de apneia para condutores das categorias C, D e E, foi um passo importante. Mas ainda há desafios: falta acesso ao diagnóstico, profissionais capacitados e, principalmente, uma cultura que valorize o descanso como item de segurança.
A sonolência não é um problema individual: é uma questão de saúde pública e de segurança viária. Diagnosticar é o primeiro passo para transformar dados em ação
Hoje, com o avanço da tecnologia, já é possível investigar ronco e apneia do sono dentro do próprio caminhão, durante a rotina de trabalho.
Assim como fizemos no passado com as campanhas contra o álcool, precisamos de campanhas nas estradas alertando para o risco da privação de sono. Motoristas profissionais têm até 18% mais acidentes relacionados à fadiga, muitas vezes pressionados por metas e rotinas exaustivas. Programas como o “Volta Segura – motorista que dorme bem volta para casa” mostram que unir poder público e iniciativa privada pode, sim, mudar essa realidade.
Mais do que nunca, a medicina do tráfego precisa caminhar lado a lado com a medicina do sono. Reduzir mortes no trânsito não depende apenas de punir o erro, mas de diagnosticar a causa. Ronco e apneia não são apenas incômodos noturnos — são problemas de saúde pública. Tratar essas condições e mudar a forma como enxergamos o sono pode salvar milhares de vidas todos os anos.
Amanda Costa é otorrinolaringologista e especialista em Medicina do Tráfego. Fundadora da VitalSono e parceira da healthtech Biologix no projeto “Volta Segura – motorista que dorme bem volta para casa”.



