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| Foto: Valter Campanato/Agência Brasil

Em 1996, foi lançado o excelente filme Tempo de matar, tendo como protagonistas Sandra Bullock e Matthew McConaughey. Ela, estagiária. Ele, na condição de advogado, defendia um negro, pai de uma menina, também negra, que havia sido estuprada e morta por cidadãos brancos. Os crimes, de acordo com o enredo, ocorreram no estado do Mississipi, palco de intermináveis e lamentáveis casos de racismo.

No fim de sua explanação ao corpo de jurados, a defesa do homem negro, acusado de matar aquele que havia estuprado sua filha, pediu aos cidadãos que ali estavam, em via de proferir um veredito – com fortes inclinações para a condenação, em virtude da cor da pele do réu – que fechassem os olhos e imaginassem a vitima do estupro como sendo uma criança de tez branca.

O resultado foi a absolvição do réu.

A retórica foi necessária porque aos jurados americanos não interessava tanto a natureza e a gravidade do crime imputado ao acusado, pois o que importava, na verdade, era a cor da pele dos envolvidos nas práticas delituosas.

A retórica foi necessária porque aos jurados americanos não interessava tanto a natureza e a gravidade do crime imputado ao acusado, pois o que importava, na verdade, era a cor da pele

Dezembro de 2018: a futura ministra da Mulher, Família e Direitos Humanos, Damares Alves, resolveu compartilhar um triste momento de sua vida, relatando os abusos sexuais sofridos quando tinha apenas seis anos, e que a motivaram a dar cabo à própria vida. Decidida, conta que subiu em uma goiabeira, a fim de consumar o suicídio. Porém, por causa de uma manifestação epifânica, desistiu, superou o infortúnio e seguiu adiante, até que, décadas depois, narrou publicamente algo que lhe é muito particular e doloroso.

Entretanto, diante de tal relato, muitos dos “defensores” de plantão que policiam a vida alheia, em vez de reconhecer a coragem de quem expõe algo tão recôndito, estimulando as vítimas de estupro a abandonar um silêncio excruciante, partiram para um abjeto ataque, fazendo troça com o episódio cruel que foi trazido a público pela futura ministra.

Assim como no filme referido, os zombadores de Damares mostraram que não há motivos para se indignar com o crime em si (estupro de vulnerável), pois o que importa, de fato, são as preferências políticas de quem cometeu ou sofreu a ação criminosa, comportamento que explica a indignação seletiva acerca dos escandalosos casos de corrupção que diuturnamente envergonham a nossa nação.

Essa seletividade impulsiona ações deploráveis, tais como as que estão sendo praticadas contra a futura ministra, fruto de uma ação coordenada da “máfia do #paz” (expressão precisa de Rodrigo Constantino), num clássico exemplo de vitimização terciária.

Leia também: Perseguição aos cristãos: nada mudou! (artigo de Juliano Rafael Teixeira Enamoto, publicado em 13 de dezembro de 2018)

Leia também: Ser cristão em tempos pós-modernos (artigo de Dom José Antonio Peruzzo, publicado em 19 de setembro de 2015)

Ora, quando ocorre um crime sexual dessa natureza, além das vitimizações primária (o sofrimento da vítima quando da prática do crime) e secundária (quando a vitima expõe às autoridades o crime perpetrado contra si), a turma do “politicamente correto”, ao fazer troça do que ocorreu com Damares, causa a ela um novo processo de humilhação (a vitimização terciária), em escala imensurável, tendo em vista o uso das redes sociais para amplificar o escárnio.

Esse desserviço serve também para avolumar a “cifra negra” dos crimes que não chegam ao conhecimento das autoridades, já absurdamente inflada nos delitos sexuais em virtude da vergonha, por parte das vítimas, em sofrer constrangedora exposição diante do aparelho estatal.

Afinal, o recado mandado a Damares por seus detratores intimidará outras mulheres que pretendiam expor essas mazelas, mas, por não poderem contar com a “proteção” da intelligentsia, já que não comungam da mesma ideologia política dos membros da nomenklatura, certamente recuarão, mantendo um silêncio sepulcral.

Leia também: Cristãos perseguidos: o desespero do mal (artigo de Frei Hans Stapel, publicado em 13 de abril de 2017)

Nossas convicções: A valorização da mulher

Aristóteles dizia que a arte imita a vida. Entretanto, às vezes, o destino é deveras cruel e é a vida que acaba imitando a arte.

Imitações à parte, o fato é que, se os “progressistas” conseguissem fechar os olhos, tal como fizeram os jurados do filme, imaginando não uma vítima de pele branca, mas uma militante da esquerda, certamente a futura ministra não estaria passando por esse calvário.

O problema é que, seja de olhos abertos ou fechados, a cegueira ideológica e a hipocrisia dessa turma não lhes permite agir com decência e dignidade, ainda que se trate de um crime de tamanha gravidade.

Ronaldo Lara Resende é promotor de Justiça do estado do Rio Grande do Sul.
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