Em 1969, Lawrence Johnston Peter publicou um livro com o título deste artigo, para apresentar o que ele chamou de "as leis da incompetência". Sua tese é que, em organizações estruturadas de forma hierárquica, os empregados são admitidos em cargos inferiores, mas, na medida em que vão mostrando competência nas tarefas que desempenham, o sistema os empurra para posições superiores, até que eles começam a revelar sinais de incompetência e estacionam. Como a própria legislação proíbe o rebaixamento de função e, sobretudo, de salário, duas coisas acontecem: alguns são demitidos; outros acabam se mantendo em seu cargo logo acima do seu limite de competência.
A conclusão provocativa de L. J. Peter é que, com o passar do tempo, parte significativa das posições é ocupada por gente incompetente. No setor privado, submetido às agruras da competição, a letargia do status quo é sacudida pelos resultados negativos nos balanços. Já no setor público, no qual os chefes em geral são velhos colegas de corporação ou são políticos passageiros e existe a estabilidade no emprego, o número de posições ocupadas por funcionários incompetentes tende a ser muito maior. Considerando que na cartilha dos burocratas inexiste a expressão "satisfação do cliente", a probabilidade de algum terremoto gerencial mexer com os incompetentes é quase nula. É óbvio que há gente de alta capacidade no governo, muitos dos quais ocupando funções muito inferiores à sua qualificação.
A democracia representativa, que apesar dos defeitos ainda é o melhor sistema para eleger os dirigentes do governo, não garante a eleição dos melhores, mas sim dos que mais convencem os eleitores. É por essa e por outras razões que a democracia deve ser o "governo das leis", e não o governo dos homens, e que é fundamental limitar os poderes do governo. Não é da bondade, nem da humildade, nem da consciência da própria ignorância, que devemos esperar dos políticos e dos burocratas que ajam com correção, prudência e limites, mas sim da sua subordinação às leis e da responsabilização pelos seus atos. Em alguma medida todos nós temos um ditadorzinho dentro do nosso peito, pronto para agir tão logo se apresente a oportunidade adequada. Os que mandam parecem apreciar muito mais o poder derivado da sua capacidade de impor e se fazer obedecer do que da sua capacidade de argumentar, convencer, influenciar e serem seguidos.
Todo ser humano tem uma visão de si mesmo muito mais generosa do que aquela que a humanidade tem a respeito dele, mesmo porque há muita gente disposta a elevar nosso ego. Certa feita, ao ouvir um ministro da fazenda expor um plano horrível de solução da dívida externa afirmando que "ninguém poderia fazer algo melhor do que aquilo", o então senador Roberto Campos não se conteve e disparou: "Esse homem é um perigo, porque ele fala com a firme convicção que a ignorância confere". Ter consciência dos nossos limites e do nosso grau de incompetência é uma das maiores dificuldades que temos na vida. Temos certa tendência a culpar os outros pelo que nos acontece, pois assim nos eximimos da necessidade de encarar nossa incompetência e nossa estupidez.
É por essas e por outras que não devemos esperar que tão cedo o atendimento dado à população pelos "servidores" públicos seja elevado ao nível de "eficiente e cordial". O setor privado é um mar de rosas? Claro que não! Os trabalhadores privados têm as mesmas virtudes e as mesmas imperfeições, mas para eles funcionam duas leis implacáveis: a lei de mercado e a lei de falência, o que, se não elimina a pequenez humana, pelo menos reduz seus efeitos maléficos.
José Pio Martins é economista e vice-reitor da Universidade Positivo.



