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Desde o estabelecimento do Regime de Metas de Inflação em 1999, o presidente do Banco Central veio a público por quatro vezes (via carta aberta ao ministro da Fazenda) para justificar o estouro da meta, quando o IPCA ficou acima do limite estabelecido pelo Conselho Monetário Nacional (CMN) em 2001, 2002, 2003 e em 2015. Tal comunicação faz parte do regime para esclarecer à população o porquê do não cumprimento da meta.

A carta aberta publicada no dia 8 de janeiro já era esperada por quem acompanha o trabalho do Banco Central. Até que tardou um pouco. Desde 2011 o Brasil vem flertando, mandando flores e galanteando o rompimento da meta de inflação. Seu não cumprimento somente não ocorreu em 2014 por conta de controle dos preços administrados (gasolina, energia elétrica) pelo governo.

E tal represamento de preços foi uma das justificativas que Alexandre Tombini utilizou para explicar uma das causas de o Banco Central ter falhado em cumprir seu mandato. Além do chamado “realinhamento de preços”, Tombini também recorreu a uma rápida e forte desvalorização cambial ocorrida ao longo de 2015 (cujos efeitos em bens importados passam para os preços em real finais ao consumidor) e ao desarranjado cenário da política fiscal brasileira, que teima em permanecer no campo deficitário.

Se o Banco Central tiver credibilidade e um histórico de cumprimento de seu mandato, a melhor aposta será a meta de inflação

Olhando de relance, parece que Tombini tem razão. A inflação de preços administrados (que compõem cerca de 23% do IPCA) superou 18% em 2015, o real se desvalorizou 47% frente ao dólar e o ajuste fiscal prometido pelo então ministro da Fazenda Joaquim Levy não ocorreu, fatos que pressionaram para cima os preços no Brasil.

Porém, Tombini e sua equipe parecem ter esquecido que o Banco Central vem pecando na hora de usar sua própria artilharia contra a inflação, mesmo com os choques adversos de 2015. Quando a inflação dava sinais de subida, em meados de 2011, o Banco Central marretou os juros para baixo confiando que a política fiscal entrasse em campo contracionista, o que ajudaria a controlar os preços. Ledo engano! O Banco Central terceirizou seu mandato e deu no que deu.

Com efeito, um canal pelo qual a política monetária funciona foi perdido - as expectativas. A ideia é simples: quando os agentes econômicos vão reajustar seus preços ao longo do ano, qual a melhor estimativa que possuem para a inflação futura? Se o Banco Central tiver credibilidade e um histórico de cumprimento de seu mandato, a melhor aposta será a meta de inflação. Assim, os agentes ajustarão seus preços (desde salários negociados em convenções coletivas até o seu corte de cabelo) em níveis próximos à meta. Mas, se o Banco Central não tiver a credibilidade necessária, os agentes ajustarão seus preços fora da meta, o que pode causar uma profecia autorrealizável de inflação diferente da meta. Além disso, os agentes poderão ajustar seus preços de acordo com a inflação passada, já que eles não têm uma estimativa melhor e, dessa forma, o componente inercial da inflação fica mais forte, dificultando ainda mais o controle da inflação via política monetária.

Posto isso, ficou nítido desde 2011 que o Banco Central perdeu sua credibilidade ao ser leniente com a inflação e acreditar que 6,5% estava bom. Agora os agentes não mais esperam inflação na meta ou corrigem seus preços pela inflação passada – acima da meta. O poderoso canal de política monetária (talvez o mais importante, segundo estudo da própria autoridade monetária) foi perdido por erros do próprio Banco Central e reconstruir sua credibilidade é algo que leva tempo, já nos ensinou Pedro e o Lobo.

Enquanto isso, a autoridade monetária vai gritando alto que os juros subirão em 2016 e que confia que a política fiscal desta vez ajudará. A carta aberta de Tombini indica que veremos a Selic subindo e que, desta vez sim, a política fiscal irá entrar em território contracionista, mesmo com o novo chefe da Fazenda prometendo mais crédito para reavivar a economia brasileira. Nem mesmo quando o lobo for de verdade acreditaremos!

Leonardo Palhuca é mestre em Economia pela Albert-Ludwigs-Universität Freiburg. Victor Wong é mestrando em Economia pela EESP–FGV. Ambos são colaboradores do site Terraço Econômico .
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