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Torrefação radical
| Foto: Marcos Correa/PR

“O segredo para bem administrar o Brasil é você botar as pessoas certas nos ministérios certos. Por isso, nós não integramos o Centrão e tampouco estamos na esquerda de sempre.” (Jair Bolsonaro, na campanha de 2018)

Hoje eu nem precisaria criticar Jair Bolsonaro e membros de sua família por ele ter submetido sua alma e seu governo ao que existe de mais fisiológico e contrário aos interesses do Brasil no parlamento: o Centrãoque ele exorcizava durante sua campanha eleitoral e no início de seu governo. Hoje o seu agora ex-ministro do Turismo Marcelo Álvaro Antônio escancara as razões de sua demissão. Fico indignado, mas não surpreso: fritura é método preferencial de Bolsonaro para livrar-se de quem se lhe tornou inconveniente. Sergio Moro que o diga. Mas, no presente caso, “fritura” talvez seja um termo brando demais; o que aconteceu com o ex-ministro do Turismo foi torrefação radical mesmo.

Para possivelmente salvar a pele de sua família e, quem sabe, a sua em futuro próximo (lembrando: correm no STF dois inquéritos contra Jair Bolsonaro, o 4.828 e o 4.831), o presidente tornou-se a antítese do que dizia ser na campanha de 2018 e no início de seu governo, até notar que “tinha um Flávio Bolsonaro no meio do caminho”. A partir daí começou a fritura pública de Moro, tido como obstáculo para blindar as investigações sobre o filho senador. A fritura pública durou até que veio a público toda a truculência de Bolsonaro contra Moro naquela fatídica reunião ministerial de 22 de abril deste ano. No Twitter, Moro escreveu: “O acesso ao vídeo da reunião ministerial do dia 22/4 confirma o conteúdo do meu depoimento em relação à interferência na Polícia Federal, motivo pelo qual deixei o governo”.

Pouco antes, Bolsonaro já aproximara-se do Centrão e fez tudo o que este grupo parlamentar queria (até sancionou a criação de um tal “juiz de garantias”, contra a recomendação de seu ainda ministro da Justiça e Segurança Pública) para complicar a investigação e a punição de políticos enrolados com a Justiça, dos quais aquele grupo é reconhecido repositório.

Bolsonaro sancionou o fundo eleitoral (com o voto favorável – mas por engano, sabem? – de Flávio no Senado) para garantir a reeleição dos piores políticos das democracias ocidentais. Recriou o Ministério das Comunicações para dar um cargo a Fábio Faria, figura notória do Centrão. Entre outras várias concessões, indicou para o STF não um eminente jurista, mas um adversário da Lava Jato (portanto, interessante ao Centrão), um indivíduo que fez carreira “jurídica” primeiro nos ombros de Lula e Dilma, antes de fazê-la sobre os de Bolsonaro.

Em suma, indicou para o STF uma cria daquilo que é a pior doença social deste pais: o tráfico de influência. O Centrão ficou feliz, Dias Toffoli exultou e Gilmar Mendes deu a sua bênção, em sua própria casa, na frente de Bolsonaro e Toffoli.

Finalmente Bolsonaro atende, agora e de novo, o Centrão ao demitir seu ministro do Turismo – que estava fazendo um bom trabalho – para abrir (segundo ele denuncia) mais uma vaga ao Centrão e tentar eleger Arthur Lira, incidentemente líder daquele grupo parlamentar na Câmara. Quem fala isto é o próprio demitido. Certamente não será o último, pois um dos reconhecidos atributos do Centrão é a avidez por cargos e ministérios.

Segundo denúncia de procuradores, noticiada pelo jornal O Estado de S.Paulo em 3 de dezembro, Lira movimentou ao menos R$ 9,5 milhões em esquema que desviou R$ 254 milhões dos cofres públicos de 2001 a 2007. Lira é, segundo a denúncia, envolvido no escândalo da “rachadinha” na Assembleia de Alagoas.

A demissão do ministro do Turismo serve, segundo ele próprio afirma, para presentear o Centrão com mais um ministério no governo Bolsonaro. Ministérios e cargos parecem ter virado, no atual governo, após a conversão de Bolsonaro ao Centrão, moeda de troca por segurança pessoal e familiar do presidente da República.

Claro, a desculpa (acha-se sempre uma desculpa!) para a demissão, segundo o governo, é a troca de mensagens em um grupo de WhatsApp que reúne ministros do governo. Note-se bem: Marcelo Álvaro Antonio não levou a questão ao público em geral, como está sendo divulgado. Ele serviu-se de uma lista privativa de ministros de Bolsonaro. Manteve o caso, portanto, interna corporis. Mas, claro, os fiéis da seita bolsonarista acreditarão na versão palaciana que lhes é agora presenteada. Eles sempre acreditarão! É sempre assim com fiéis de seitas políticas. Foi assim na época de Lula e Dilma, quando estes foram governo.

Jair Bolsonaro é, hoje, aquilo que Lula dizia de si mesmo: “uma metamorfose ambulante”.

José J. de Espíndola é engenheiro mecânico, mestre em Ciências em Engenharia, doutor pela Universidade de Southampton (Inglaterra), doutor honoris causa pela UFPR e professor titular aposentado da UFSC.

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