Engana-se quem pensa que tráfico de drogas é exclusividade dos morros e das favelas. Recentemente, a polícia do Rio de Janeiro prendeu oito jovens de classe média suspeitos de vender ecstasy, LSD, cocaína e maconha. Entre os detidos está o estudante de Psicologia Bruno Pompeu DUrso, de 18 anos. Ele é apontado pela polícia carioca como chefe da quadrilha. Bruno mora no Edifício Fonte da Saudade, de alto padrão, na Lagoa Rodrigo de Freitas. Segundo a polícia, era ele quem fazia a ligação entre traficantes de morros e vendedores de drogas no ambiente universitário. Os outros suspeitos moram em bairros como Leblon, Humaitá e Copacabana, todos de classe média. Entre eles, há universitários e um administrador de empresas.
Não é de hoje que jovens de classe média e média alta têm freqüentado o noticiário policial. Crimes, vandalismo, espancamento de prostitutas, incineração de mendigos, consumo e tráfico de drogas despertam indignação e perplexidade. O novo mapa do crime transita nos bares badalados, vive nos condomínios fechados, estuda em colégios e universidades da moda e desfibra o caráter no pântano de um consumismo sem fim.
A delinqüência bem-nascida mobiliza policiais, psicólogos, pais e inúmeros especialistas. O fenômeno, aparentemente surpreendente, é o reflexo de uma cachoeira de equívocos e de uma montanha de omissões. O novo perfil da delinqüência é o resultado acabado da crise da família, da educação permissiva e de setores do negócio do entretenimento que se empenham em apagar qualquer vestígio de normas ou valores. Focarei este artigo na família.
Os pais da geração transgressora, em geral, têm grande parte da culpa. Choram os desvios que cresceram no terreno fertilizado pela omissão. É comum que as pessoas se sintam atônitas quando descobrem que um filho consome drogas. Que dirá então quando vende. O que não se diz, no entanto, é que muitos lares se transformaram em pensões anônimas e vazias. Há, talvez, encontros casuais, mas não há família. O delito não é apenas o reflexo da falência da autoridade familiar. É, freqüentemente, um grito de revolta. Os adolescentes, disse alguém, necessitam de pais morais, e não de pais materiais.
Alguns pais não suportam ser incomodados pelas necessidades dos filhos. Educar dá trabalho. E nem todos estão dispostos a assumir as conseqüências da paternidade. Tentam, então, suprir o vazio afetivo com carros, mesadas e presentes. Erro mortal. A demissão do exercício da paternidade sempre acaba apresentando sua fatura. A omissão da família está se traduzindo no assustador aumento da delinqüência infanto-juvenil e no comprometimento, talvez irreversível, de parcelas significativas da nova geração.
Não é difícil imaginar em que ambiente afetivo terão crescido os integrantes do tráfico bem-nascido. Artigos, crônicas e debates tentam explicar o fenômeno. Fala-se de tudo. Menos do óbvio: a brutal crise que machuca a família. É preciso ter a coragem de fazer o diagnóstico. Caso contrário, assistiremos a uma espiral de delinqüência. É só uma questão de tempo.
Psiquiatras, inúmeros, tentam encontrar explicações para os desvios comportamentais nos meandros das patologias. Podem ter razão. Mas nem sempre. Independentemente de eventuais problemas psíquicos, a grande doença dos nossos dias tem um nome menos técnico, mas mais cruel: desumanização das relações familiares. A delinqüência, último estágio da fratura social, é, freqüentemente, o epílogo da falência da família.
Como já escrevi neste espaço opinativo, recuperação da família, educação da vontade, combate à impunidade e entretenimento de qualidade compõem a melhor receita para uma democracia civilizada.
Carlos Alberto Di Franco é diretor do Master em Jornalismo, professor de Ética e doutor em Comunicação pela Universidade de Navarra. Dirige também a Di Franco Consultoria em Estratégia de Mídia. difranco@ceu.org.br



