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Tributação das grandes fortunas pode gerar mais desigualdade e judicialização

Cofrinho de porco
Imagem ilustrativa. (Foto: Andre Taissin / Unsplash)

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Apesar de sinalizar com a realização de um movimento no sentido da justiça social, a taxação de grandes fortunas, também apontada como uma das principais geradoras de novas receitas pelo atual ministro da Economia, Fernando Haddad, não é um tributo fácil de ser aprovado. Além disso, caso não seja desenvolvido com a devida atenção, pode gerar ainda mais desigualdade, contrariando seu objetivo inicial.

O primeiro desafio é o fato desse imposto gerar uma grande discussão sobre quais os critérios necessários para que seja criado, ou seja; qual seria a previsão da sua hipótese de incidência, incluída a alíquota?  E qual seria a base de cálculo, que vai definir o universo de contribuintes?

Trata-se de um tributo dificílimo de instituir e, depois de instituído, vai sofrer ataques de todos os lados, trazendo o Judiciário mais uma vez para o jogo político.

Na prática, ele traz uma carga subjetiva muito grande, a começar pelo que é e o que poderia ser considerado como grande fortuna. Por isso, existe um sem-número de projetos que estão parados no Congresso Nacional na tentativa de criar esse tributo, sendo que o avanço de matérias desse tipo depende da aprovação de um Projeto de Lei Complementar (PLP), o que requer um quórum qualificado de aprovação formado por 41 senadores e quase 260 deputados federais, números que não costumam ser atingidos com tranquilidade nas casas legislativas.

Só para dar alguns exemplos, durante o estágio mais crítico da pandemia da Covid-19, ao menos 4 novos projetos foram apresentados com o intuito de gerar receita nova para ajudar o governo federal a bancar os custos necessários e os prejuízos causados pela crise sanitária. Um deles classificou como grande fortuna aquele patrimônio que fosse superior 50 mil vezes o valor do salário-mínimo vigente, ou seja, mais de R$ 50 milhões.

Outra proposta pretendia classificar como grande fortuna o patrimônio que fosse 12 mil vezes a isenção mensal do Imposto de Renda, o que significaria um valor de aproximadamente R$ 22 milhões. Uma terceira alternativa descreveu como grande fortuna o patrimônio superior a R$ 10 milhões. Vale lembrar que todas as propostas têm uma faixa de alíquota bem semelhante, que vai de 0,5% a 3% em incidência anual. Então, para quem tem patrimônio acima de R$ 50 milhões, por exemplo, nós estaríamos falando de uma tributação de até R$ 1,5 milhão todos os anos. Neste patamar, ele acaba se tornando um tributo que atinge o bolso dos mais abastados, mas que não resolve muita coisa no sentido de reforçar os caixas do governo.

No exemplo, daqueles que têm fortuna acima de R$ 22 milhões, teríamos apenas 70 mil contribuintes, o que daria uma arrecadação de aproximadamente R$ 40 bilhões ao ano, enquanto os programas sociais do governo Lula vão ficar acima do teto de gastos em R$ 146 bilhões/ano. É um tributo que vem para fazer alguma justiça social, porém muito mais significativo no aspecto moral, como uma forma de dizer que os mais abastados também pagam tributos e não só os menos abastados.

No entanto, um ângulo que merece ser observado com um cuidado adicional é o fato de que, dependendo de como for instituído, esse imposto pode gerar mais desigualdade. Isso porque o tributo das grandes fortunas só poderia incidir sobre as pessoas físicas e não sobre as pessoas jurídicas, pois para estas já existe uma carga tributária própria e específica.

Ocorre que as pessoas físicas enquadradas na situação de inclusão têm mecanismos de evitar e de contornar essa tributação, seja tirando o patrimônio do país, seja tirando o patrimônio da pessoa física, seja saindo do país para outra nação onde a tributação seja menor, seja fazendo qualquer outra coisa para se planejar sob o aspecto tributário e evitar essa incidência. Então, mais uma vez, quem tem menos condição de usar mecanismos para elisão fiscal vai continuar pagando imposto, e quem tem grandes fortunas vai utilizar mecanismos para elisão fiscal e voltar a pagar menos impostos.

Já na abordagem estritamente legal, por ser um imposto, diferente de uma contribuição, ele tem um regramento próprio antes de nascer, previsto na Constituição. O imposto atinge ou o consumo, ou o patrimônio ou a renda. No caso do imposto sobre o patrimônio, nós já temos o Imposto sobre a Propriedade de Veículos Automotores (IPVA), da competência dos estados; o Imposto Predial e Territorial Urbano (IPTU), de competência do município; e o Imposto Territorial Rural (ITR), competência da União.

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Criar um imposto sobre grandes fortunas significa tributar de novo, obviamente de forma proporcional ao valor que esse patrimônio imobiliário ou mobiliário possui na composição da fortuna, os bens e direitos de um indivíduo. Assim, vamos ter uma dupla tributação sobre o fato gerador que é pura e simplesmente ser proprietário do bem.

Se é latifundiário, já paga o ITR e também vai pagar o imposto sobre grandes fortunas mesmo que sua grande fortuna seja concentrada em imóveis rurais. Isso gera discussão tributária. Se o imposto sobre grandes fortunas ficar restrito à disponibilidade financeira, como depósitos e investimentos no mercado de capitais, também haverá a problemática da dupla tributação, porque já há tributação sobre os ganhos e, sobre o principal. Desta forma o possuidor da chamada grande fortuna vai pagar a tributação que possivelmente já foi paga quando houve a acumulação daquele patrimônio. Por todos esses motivos, trata-se de um tributo dificílimo de instituir e, depois de instituído, vai sofrer ataques de todos os lados, trazendo o Judiciário mais uma vez para o jogo político.

Ubaldo Juveniz dos Santos Junior é advogado sócio do escritório Juveniz Jr. Rolim Ferraz Advogados.

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