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Teleprompter mudo, escada rolante travada. Antes da primeira palavra, a ONU já tropeçava na própria pompa. Trump improvisou e transformou as panes em metáfora viva: muito aparato, pouca eficácia. Depois, a própria organização explicaria que o freio da escada pode ter sido acionado por um videomaker que filmava de costas e que o teleprompter era responsabilidade da delegação americana. O símbolo, porém, ficou: a máquina emperra, a realidade passa.
Foi em 23 de setembro de 2025, na 80ª Assembleia-Geral, que Trump recolocou no centro a gramática da soberania: fronteiras, energia confiável, paz verificável, liberdade religiosa e de expressão. O alvo não foi a cooperação – foi o globalismo ritualizado que confunde processo com entrega.
O diagnóstico é simples: a ONU se desconectou da realidade. Trump recuperou a soberania e a subsidiariedade como critérios de ação. Subsidiariedade é aquele princípio básico segundo o qual instâncias superiores só devem intervir quando as inferiores não conseguem resolver. Preserva-se a responsabilidade no nível mais próximo das pessoas. Sem isso, a cooperação internacional vira sala de espelhos: todo mundo se vê, ninguém resolve.
No fecho do discurso, Trump condensou a hierarquia das liberdades: “Together, let us defend free speech and free expression. Let us protect religious liberty, including for the most persecuted religion on the planet today. It's called Christianity.” A ordem não é casual. Sem falar e crer livremente, o cidadão não fiscaliza o poder nem escolhe o bem comum. Por isso, defender essas liberdades é pré-condição para qualquer agenda multilateral séria.
Se os líderes quiserem que a ONU funcione, terão de cobrar resultado e praticar coerência. Sem subsidiariedade, o global vira globo de neve – bonito no vidro, inútil no calor dos fatos
A régua do resultado fica clara quando saímos da tribuna e olhamos o chão. Pegue a UNIFIL, no sul do Líbano. Criada em 1978, virou exemplo clássico de missão longeva que promete mais do que entrega. Em 28 de agosto de 2025, o Conselho de Segurança adotou a Resolução 2790, prorrogando o mandato pela última vez até 31 de dezembro de 2026 e determinando retirada faseada no ano seguinte. A decisão reconhece, nas entrelinhas, o desgaste de uma operação que mobiliza 10.509 militares de 47 países sem produzir estabilização duradoura da fronteira nem cumprir integralmente a Resolução 1701. Escala e fardas não faltaram. Faltou resultado verificável.
“Em grande parte, pelo menos por enquanto, tudo o que eles (as Nações Unidas) parecem fazer é redigir uma carta com linguagem muito contundente e depois nunca dar seguimento a essa carta. São palavras vazias, e palavras vazias não resolvem guerras. A única coisa que resolve a guerra, e guerras, é a ação”, disse Trump em seu discurso para a ONU.
Esse é o ponto político do discurso: globalismo não é sinônimo de cooperação – é a sua caricatura quando degenera em compliance de formulário, resoluções que não se executam e cartas ferozes que não se cumprem. A subsidiariedade é o antídoto contra essa paralisia cerimonial. Não se trata de isolar países, mas de ancorar a cooperação em responsabilidades claras, sob pena de desperdiçarmos décadas e bilhões em estruturas que funcionam melhor no relatório do que no território.
Outra fratura entre retórica e realidade está na liberdade religiosa e de expressão. Trump citou o cristianismo como “a religião mais perseguida do planeta hoje”. Não é figura de linguagem: estimativas da Open Doors apontam que mais de 380 milhões de cristãos vivem sob altos níveis de perseguição e discriminação. Em vez de slogans, isso pede prioridades e mecanismos que funcionem – proteger a pessoa, a família, a comunidade, e só então, quando necessário, a instância supranacional. É a lógica da subsidiariedade aplicada às liberdades.
E o Brasil nisso tudo? Aqui a coisa ficou curiosa. A mídia torcedora correu para estampar que Trump “gostou do Lula” – e parou por aí. Ignorou solenemente o trecho seguinte do discurso, onde Trump conectou as tarifas comerciais impostas ao Brasil diretamente à censura: “O Brasil agora enfrenta tarifas comerciais elevadas em resposta aos seus esforços sem precedentes para interferir nos direitos e nas liberdades de nossos cidadãos americanos e de outros, por meio de censura, repressão, instrumentalização do aparato estatal, corrupção judicial e perseguição de críticos políticos nos Estados Unidos.”
Não é retórica vazia. Trump amarrou explicitamente política comercial a política de liberdades. A mensagem é clara: tarifas não são birra protecionista – são resposta a uma agenda autoritária que ultrapassa fronteiras. Pode-se discordar da ferramenta – tarifas punem consumidores e desorganizam cadeias produtivas –, mas fingir que a crítica não existe ou reduzi-la a “Trump elogiou Lula” é jornalismo seletivo. Mais que isso, abre um debate legítimo: sanções comerciais são instrumentos eficazes para defesa de direitos humanos, ou apenas medidas contraproducentes?
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No debate doméstico, o eixo censura e perseguição entrou em cena com peso. A crítica de Trump à cultura de silenciamento, online e offline, encontra eco em discussões brasileiras recentes: decisões que restringem fala, remoções compulsórias de conteúdo, o avanço de uma mentalidade de tutela que presume que o cidadão não pode ouvir ideias ruins sem ser “protegido”. A defesa da livre expressão não é leniência com crime – é reconhecer que quem cala pessoas, cala fatos. E sem fatos não há deliberação moral nem política.
Há objeções honestas à fala de Trump. O discurso contém hipérboles, e o protecionismo tarifário contraria a própria defesa da liberdade econômica. São pontos pertinentes e devem ser ditos. Mas eles não anulam o diagnóstico central: instituições internacionais perderam o nexo com a entrega. Quando uma missão como a UNIFIL precisa de uma “última prorrogação” para, enfim, admitir que o ciclo se esgotou, a crítica ao globalismo processual ganha gravidade. O antídoto não é fechar portas – é baixar o centro de gravidade da decisão, medir o que importa e cortar o que não entrega.
A visão liberal – pessoas antes de aparelhos, resultados antes de ritos, comércio antes de tarifas – é a que melhor conversa com o Brasil. País continental, criativo e aberto por natureza, o Brasil tem mais a ganhar num mundo de cooperação enxuta e responsável do que num teatro de siglas que confunde anúncio com política pública. Se a ONU quiser voltar a ser parte da solução, terá de trocar aplausos por métricas. Se os líderes quiserem que a ONU funcione, terão de cobrar resultado e praticar coerência. Sem subsidiariedade, o global vira globo de neve – bonito no vidro, inútil no calor dos fatos.
Yuri Quadros é fundador do action-tank Aliança, diretor de formação do Instituto de Formação de Líderes de Belo Horizonte e conselheiro da Rede Liberdade.
Conteúdo editado por: Jocelaine Santos



