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| Foto: Jim Watson/AFP

Donald Trump quer mais que um muro.

De novo, o presidente criou uma realidade própria, fabricando uma crise, inventando uma invasão, criminalizando os imigrantes, inventando fatos, e, em pronunciamento em cadeia nacional, em oito de janeiro, reiterou a necessidade de um novo muro na fronteira dos EUA com o México. “Quanto sangue norte-americano terá de ser derramado para o Congresso começar a agir?”, questionou ele da Casa Branca.

Trump não é o primeiro presidente a pedir dinheiro para um muro. George H. W. Bush, Bill Clinton e George W. Bush também construíram cercas e paredões na divisa sul; Barack Obama manteve o sistema resultante, ou seja, cerca de 1.120 quilômetros de barreira física. Por que então não queremos que Trump erga a sua muralha? O que ela tem de diferente?

A diferença é que o muro de Trump é um símbolo de ódio e racismo, seria completamente inútil e não combate nenhuma emergência nacional.

O muro se tornou uma metáfora, representando Trump e seus milhões de correligionários

Os US$ 5,7 bilhões pedidos pelo governo atual para a construção de 376 quilômetros a mais de paredão seriam um enorme desperdício de tempo e dinheiro. Começando do primeiro trecho de 22 quilômetros erguido entre San Diego e Tijuana, no início dos anos 90, os imigrantes em situação irregular mostram que conseguem se adaptar bem rápido e partir para as áreas onde não há barreiras. Os desertos do Arizona e os trechos abertos ao longo do Rio Grande, no Texas, são os pontos de entrada favoritos atualmente. O mesmo acontecerá com o tal muro de Trump.

Também sabemos que quase metade de todos os ilegais chegam de avião ou com um visto; eles vêm legalmente, como turistas, ou visitantes, e simplesmente estendem a estada. Nem o muro mais alto dá jeito nisso.

Ele também não impediria o tráfico de drogas de entrar no país, como Trump alegou em sua fala. A maior parte das apreensões são feitas nos portos de entrada – e, enquanto houver mais de 28 milhões de norte-americanos usando regularmente essas substâncias ilegais, teremos traficantes no México, e a América Latina inteira vai continuar levando seus produtos para o mercado mais rentável do mundo.

A Casa Branca alega que quatro mil suspeitos de terrorismo foram detidos ao longo da fronteira meridional no ano passado, o que é outra mentira: a imensa maioria foi presa nos aeroportos. Apenas seis foram pegos tentando entrar ilegalmente a pé.

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Recentemente, estive na região fronteiriça na Califórnia e no Texas, e posso dizer que, ao contrário do que o presidente alegou em sua declaração, não há invasão. A população não documentada não cresceu em uma década; de fato, caiu para 10,7 milhões. E, apesar da presença violenta dos cartéis do narcotráfico do lado mexicano, as cidadezinhas do lado norte-americano estão entre as mais seguras do país.

Inegável é a crise humanitária em Tijuana, mas, na verdade, ela foi em parte criada por Trump. Números recordes de famílias desesperadas, fugindo da violência, da corrupção e da pobreza extrema, continuam chegando à região, mas em vez de terem os pedidos de asilo processados na mesma hora, como mandam as leis nacionais e internacionais, apenas alguns ganham o direito de entrar a cada dia. Essa política, calcada na crueldade, afeta injustamente crianças e as pessoas mais vulneráveis do nosso hemisfério – afinal, esses refugiados não oferecem nenhum perigo à nossa segurança nacional.

Não há necessidade de erguer um novo muro, exceto, é claro, na mente de Trump. E o mais perto que ele chegou disso foi em janeiro de 2018, quando os senadores democratas se comprometeram com a iniciativa em troca de uma legislação para o programa Daca (Ação Diferida para Chegados na Infância), mas, em seguida, inesperadamente, o governo federal desistiu do acordo.

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Será que os democratas estariam dispostos a revisitar a oferta? Luis Gutierrez, recém-aposentado depois de 26 anos no Congresso, uma vez me explicou que a situação é semelhante à do pagamento de um resgate em caso de sequestro. Se a Casa Branca retomar o acordo desta vez, colocará os democratas em um dilema moral: protegeria os “Dreamers”, provavelmente incluindo aí suas famílias, e, de quebra, reabriria o governo, mas o muro seria condição essencial para seu sucesso.

Não vai ser fácil; não estamos mais em 2018. As coisas mudaram drasticamente: agora os democratas controlam a Câmara e o muro se tornou um elemento tóxico. E também tem a questão racista.

O muro se tornou uma metáfora, representando Trump e seus milhões de correligionários; simboliza a divisão do “nós” e “eles”, uma demarcação física para aqueles que se recusam a aceitar que este será, em questão de algumas décadas, um país de maioria de pessoas de cor.

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A questão vai muito além do muro. Trump o prometeu em 2015, no mesmo discurso em que anunciou sua candidatura, naquela fala em que chamou os imigrantes mexicanos de estupradores, criminosos e traficantes. Seu objetivo era explorar a ansiedade e o ressentimento do eleitorado em uma sociedade cada vez mais multicultural e multiétnica. O muro de Trump é um símbolo para aqueles que querem recuperar a brancura dos EUA.

As palavras de ordem “Erga o muro, erga o muro” se tornaram seu hino – e não só um insulto aos latinos, mas também a todos aqueles que não compartilham de seus ideais xenofóbicos. O muro passou de promessa de campanha a um monumento construído sobre ideias intolerantes. É por isso que a maioria da população não pode aceitá-lo. Todo país tem o direito de proteger suas fronteiras, claro, mas não com uma muralha que representa ódio, discriminação e medo.

Não, o México não vai pagar pelo muro; e parece que tampouco o Congresso – mas o conceito dos EUA como uma terra pouco receptiva a imigrantes e desconfortável com as minorias já se instaurou.

De certa forma, Trump já conseguiu o que queria. Ele é o muro.

Jorge Ramos é âncora do canal Univision e autor, mais recentemente, de “Stranger: The Challenge of a Latino Immigrant in the Trump Era”.
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