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| Foto: Nicholas Kamm/AFP

Na segunda-feira, Donald Trump condenou publicamente seu procurador-geral Jeff Sessions (via Twitter, é claro) por não encerrar as investigações criminais contra dois aliados políticos seus, ambos deputados republicanos indiciados por cometer crimes graves. Por mais estranho que pareça, surpreendente não é o fato de o presidente ter feito tal comentário, mas sim que absolutamente ninguém tenha se surpreendido com o fato de tê-lo feito.

Durante a campanha, ele causou furor ao afirmar que poderia “dar um tiro em alguém em plena Quinta Avenida” que não perderia eleitores. O tuíte é a admissão mais recente e mais ousada de sua corrupção e a de seu governo, feita a partir de seu refúgio, na Avenida Pensilvânia, com a consciência de que não perderia o apoio dos republicanos no Congresso.

Nem sempre foi assim – e estamos falando de pouco mais de um ano atrás. Não se esqueçam de que o conselheiro especial Robert Mueller foi nomeado em maio de 2017, após a reação pública extremamente crítica à demissão do então diretor do FBI, James Comey, que supostamente não teria oferecido garantias de estancar a investigação sobre a Rússia, em termos gerais ou, mais especificamente, aliviar a situação para Michael Flynn, o ex-assessor de segurança nacional.

Desde então, Trump vem obstruindo a investigação do conselho especial para quem quiser ver, ao mesmo tempo politizando o Departamento de Justiça e o FBI. Não é mais novidade o presidente – sim, o chefe do Executivo – falar mal do FBI, convocar o Departamento de Justiça a investigar seus inimigos políticos ou ameaçar conceder anistia para tentar influenciar testemunhas em potencial contra si.

A recusa do Senado em depor o presidente por obstrução não faz nada para combater os outros problemas legais que ele enfrenta

Não há nenhuma dúvida de que encara o Departamento de Justiça como uma ferramenta para castigar seus inimigos políticos e dar passe livre aos aliados. Ele também deixou bem claro que odeia “ratos”, elogiando o criminoso Paul Manafort, seu antigo diretor de campanha, por se recusar a “entregar o ouro”, cooperando com a lei.

Essa é a nossa nova normalidade e os republicanos no Congresso, com sua inação, já deixaram bem claro que não vão tirar Trump do cargo por obstrução da justiça – o que é relevante porque o Departamento de Justiça há tempos concluiu que um presidente em exercício não pode ser indiciado (embora para muitos estudiosos, essa é uma questão que permanece em aberto). É provável que Mueller siga essa diretriz e submeta um relatório ao Congresso em vez de denunciar o presidente por obstrução.

É difícil imaginar 19 senadores republicanos votando para condenar Trump de tal crime – o que não significa que sua presidência sobreviverá até 2020 (ou mais além), dado o número de problemas legais que já enfrenta. Não podemos esquecer que há apenas duas semanas, seu antigo advogado, Michael Cohen, disse a um juiz, sob juramento, que seu cliente o instruiu a cometer crimes. Entretanto, se os relatórios que Mueller está preparando em relação à obstrução forem precisos, então ela tem tudo para ser o primeiro desafio existencial à administração Trump.

A princípio, a recusa do Senado em depor o presidente por obstrução não faz nada para combater os outros problemas legais que ele enfrenta, como a investigação de Cohen que resultou em imunidade para Allen Weisselberg, diretor financeiro das Organizações Trump.

Bruno Garschagen: A direita, os intelectuais e os erros de análise (publicado em 23 de julho de 2018)

Leia também: Mitos ingênuos sobre Trump (artigo de José Pio Martins, publicado em 2 de fevereiro de 2017)

Apesar da retórica e das ameaças de encerrar a investigação de Mueller, às vezes a impressão que se tem é a de que os alertas de seus assessores – de que essa atitude poderia incriminá-lo ainda mais – é o que o impede de fazê-lo. Por exemplo, ele supostamente não teria levado adiante a intenção de demitir Mueller devido à orientação de Don McGahn, do conselho da Casa Branca. Só que, mais recentemente, acabou dispensando o próprio McGahn, 11 dias depois de surgirem relatos de que o comitê tinha cooperado com a investigação. Apesar disso, no Twitter enviou uma série de mensagens corretivas, presumivelmente depois do alerta de seus advogados, alegando que a demissão não era punição pela cooperação de McGahn.

Se o Senado se recusar a condenar o presidente por obstrução à justiça, Trump pode muito bem ignorar esses avisos e seguir adiante – anistiando seus amigos e substituindo Sessions por um PG que encerre as investigações sobre seus aliados, despedindo Mueller e iniciando investigações sobre seus inimigos políticos. Está achando alarmista? Lembrem-se de que Trump já sinalizou publicamente que gostaria que todas essas coisas acontecessem.

Além disso, se receber carta branca para acabar com as investigações, mesmo se deixarmos a questão do impeachment de lado, o público norte-americano nunca vai saber a verdade sobre as ameaças às nossas eleições e os crimes que Mueller continua a investigar, entre muitas outras coisas.

Opinião da Gazeta: O modus operandi de Donald Trump (editorial de 18 de março de 2018)

Leia também: A grande chance de Trump (artigo de Antonio Sepulveda, Carlos Bolonha e Igor de Lazari, publicado em 10 de janeiro de 2018)

Talvez essas medidas drásticas façam o Senado republicano acordar e agir. Uma leitura benevolente de seu comportamento até agora é a de que, como o sapo na água fervente, seus membros não conseguiram perceber ou reagir à obstrução gradual de Trump – afinal, durante um bom tempo, muitos senadores republicanos aconselharam o presidente a não interferir na investigação de Mueller.

Ultimamente, porém, até os defensores do conselheiro especial, como Lindsey Graham, estão aprendendo a aceitar o desejo do presidente de demitir o Procurador-Geral, levando muitos a concluir que a popularidade trumpiana com a base republicana fez com que os membros do partido não quisessem testar seu poder porque temem uma derrota nas primárias. A linha que definia os republicanos no passado parece ser bem menos clara hoje do que era antes.

A situação não poderia ser mais crítica: um presidente com poder para iniciar investigações sobre seus oponentes e suspender as que ameaçam seus amigos pode destruir o Estado de Direito e a capacidade de nosso sistema penal de identificar e punir a corrupção para sempre. Em nome do país, vamos torcer para que os congressistas republicanos ponham o presidente em cheque enquanto ainda é possível.

Renato Mariotti é ex-promotor federal.
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