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| Foto: Agência Brasil/Antônio Milena

Há alguns meses foi anunciada a parceria entre a Airbus – gigante aeroespacial europeia – e a Bombardier, concorrente canadense da Embraer. Naquela oportunidade foi comentado que a fusão entre as operações – no caso específico, na linha CSeries – poderia colocar em risco o futuro da Embraer.

A indústria aeronáutica se caracteriza por seu caráter de capital intensivo. O acesso a linhas de financiamento e a projetos de desenvolvimento na área de defesa tem um papel importante na capacidade de investimento e desenvolvimento de novos produtos pelos fabricantes. E hoje Airbus e Boeing representam o que há de mais expressivo nesse mercado, competindo pedido a pedido pela preferência de governos e de empresas aéreas.

Até mesmo em função disso a Embraer se desenvolveu em outro nicho. Ao focar de maneira inteligente na fabricação de aeronaves para a aviação regional – muitas delas feeders das grandes linhas aéreas – e, posteriormente, desenvolver sua linha vencedora de aviões de negócios, a empresa se manteve distante da briga dos dois pesos-pesados do setor e se transformou em campeã da sua liga. Líder nos dois segmentos, a Embraer desenvolveu métodos de produção que revolucionaram o setor. Sua estrutura de produção compartilhada hoje é estudada em cursos de MBA, e o sucesso do seu turnaround desde sua privatização se transformou em um case.

O governo deve buscar garantias razoáveis, mas não deve se transformar em um fardo

A união com a Boeing – total ou parcial – é um caminho natural e, de certa forma, esperado. Não há como a Embraer competir no longo prazo com um gigante do nível da Airbus sem que ela mesma se associe a outro gigante. Além disso, para a Boeing também é importante essa associação, pois desde outubro sua concorrente oferece uma linha de produtos completa, desde o jato regional até os transcontinentais.

Dessa forma, a união da Boeing e Embraer é o típico negócio no qual ambas as empresas têm a ganhar. A Embraer ganha acesso às tecnologias, capacidade de investimento e financiamento, além da experiência da Boeing em lidar com o mercado de defesa norte-americano, eventualmente abrindo portas para o jato de transporte militar da empresa brasileira, o KC-390. E a Boeing ganha uma linha completa da líder incontestável no segmento de jatos regionais e líder no mercado de aviões de negócios, como o Phenom 300.

Se do ponto de vista econômico a associação faz sentido, algum cuidado é necessário quando se faz uma avaliação estratégica e dos interesses nacionais do Brasil. A Embraer é o centro de um importante polo de desenvolvimento tecnológico no país. Existe todo um sistema de indústrias e empresas de tecnologia que funcionam no entorno da sede da empresa, em São José dos Campos (SP). A transferência das linhas de produção ou de pesquisa para outro país seria devastadora para as ambições aeroespaciais nacionais.

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A existência da golden share oferece a possibilidade de estes aspectos serem abordados na negociação. Para o Brasil também será importante essa fusão ou parceria, mas alguns aspectos estratégicos importantes devem ser abordados e precisam constar do acordo. Cabe aos negociadores agir com sabedoria, utilizando o que há de melhor na golden share sem inviabilizar o negócio.

Aqui não cabe nenhum viés nacionalista, nem a briga entre coxinhas e mortadelas. Sem a união, a Boeing pode decidir desenvolver sua própria linha e aí a Embraer, que por anos evitou a briga com as gigantes da aeronáutica, pode ter de lutar contra as duas simultaneamente.

Com isso em mente, o governo deve buscar garantias razoáveis, mas não deve se transformar em um fardo: afinal, um bom projeto aeronáutico não tem nenhum grama desnecessário.

Shailon Ian é engenheiro aeronáutico formado pelo ITA e presidente da Vinci Aeronáutica.
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