O assunto deste artigo é um episódio do cotidiano, que se repete há meses, atormentando a vida de milhares, certamente mais de um milhão de vítimas indefesas da bagunça que se instalou no transporte aéreo, diante da passividade impotente e pasmado de supostas autoridades que cruzam as denúncias de incompetência, cevada no cocho da abulia do maior governo da história deste país.
Foge a todos os padrões do jornalismo. Não informa nada de novo: reconta casos de prejuízos, de horas roubadas ao trabalho, ao lazer, aos compromissos adiados ou irrecuperáveis de usuários de um meio regular de transporte que deixou de ser confiável.
É a crônica de uma viagem de quatro dias de ida e volta do Rio a Buenos Aires com a singularidade banalizada pela longa duração do desmantelo dos responsáveis pela provação de 22 horas de espera nos aeroportos Tom Jobim, no Rio, e na portenha Ezeiza, ou a bordo de aviões estacionados nas pistas.
Mas, por que remexer em saco de vexames que todo mundo sabe? Sem fanfarronice, creio que devo prestar o meu depoimento pessoal, como quem junta o grão miúdo no saco que derrama os excessos pelo caminho.
Vamos aos fatos: dois casais da mesma família, pais, filho e nora, decidiram aproveitar a maré de cambio favorável na Argentina para a curta viagem de quatro dias incompletos, da manhã de sexta-feira, 8, à noite de segunda-feira, dia 11.
Da Gávea, com malas e capotes, pegamos o táxi às 4h30, com sobras para o vôo, no horário rígido das 6h40. Ao longo das filas do check-in fomos advertidos para o atraso que seria a praga dos aeroportos: previsão de partida para o meio-dia, depois mais meia hora para fechar o total de 6 horas. Chegada em Buenos Aires à noite, direto para a cama.
Iluminada pela euforia da recuperação econômica, a fantástica capital da Argentina voltou aos bons tempos para os maltratados vizinhos pela insegurança, pela roubalheira e a queda de ladeira baixo da qualidade de vida.
O que se recupera em três dias de caminhadas tranqüilas; na visita às exposições, nos fabulosos restaurantes e museus some nos ralos do caos das esperas humilhantes, como joguete nas informações negadas ou incompletas, na noite inteira, sem pregar olho à espera do aviso milagroso da hora da partida.
Para enfrentar o trânsito intenso do final da tarde, deixamos o hotel às 17h, com vôo da Varig marcado para as 21h50. Uma noite de aeroporto. Vimos nascer o dia como bagaços da confusão. E a raiva reprimida do vexame que açoita a alma. Salas lotadas, bancos desconfortáveis e o ar de desalento que corrói a auto-estima, avilta a irritação. O burburinho dos que esperam o impossível é superado pela fadiga. Não há nada a fazer. Alguns espicham o corpo no chão e conseguem dormir. Nervos em pandarecos sustentam a insônia da noite infernal. Pela manhã o ambiente é de cortiço.
Afinal a última etapa. Às 6h30 demos adeus a Buenos Aires rumo ao Tom Jobim. Pousamos às 10h30 adivinhem? no aeroporto de Guarulhos, em São Paulo. Três horas de espera no avião de porta aberta, no pátio do estacionamento: o Rio nos puniu com o inesperado fechamento do Galeão.
Ninguém com um tico de juízo atiraria sobre a Varig no heróico esforço, por todos os títulos respeitáveis, dos seus funcionários, em todos os níveis, para recuperar a grande empresa, que foi um dos nossos orgulhos pela lambança do sistema de controle aéreo, inteiramente enlouquecido, sem comando hierarquizado, projeto de recuperação e que passa a nítida impressão que se arrasta à matroca.
Recuso-se à acomodação do silêncio, à omissão da cumplicidade. A justa revolta dos usuários não vai além dos recintos fechados.
É assim que o povo, que a ministra petista Marta Suplicy só conhece quando pede o voto, "relaxa e goza" no conforto dos aeroportos.
Villas-Bôas Corrêa é analista político.



