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Em 6 de agosto, foi publicado na íntegra um acórdão, relatado e prolatado pelo ministro Gilson Dipp, do Superior Tribunal de Justiça, com votação unânime de um pedido de intervenção federal no estado do Paraná (IF 111), que praticamente estimulará todas as invasões de propriedades produtivas, não só neste estado, mas também em todos os estados da Federação. Tratou a questão do não fornecimento de força policial para dissuasão dos invasores de terras produtivas. Sim: de terras julgadas e analisadas como produtivas pelo Incra.

Ora, se a propriedade produtiva pode ser invadida com a complacência dos poderes do Estado, convalidados pelo Poder Judiciário, como poderá produzir e investir o produtor rural neste país ? O ministro deve ter pensado ser superior aos princípios legais constitucionais (art. 5.º, inciso XXII, XXIII; art. 170, incs. II e III; e, fundamentalmente, o art. 185, inciso II) o princípio alegado em seu nefasto acórdão, ou seja , o princípio da proporcionalidade é superior ao princípio da legalidade. Rasgou a Constituição Federal com a concordância de todos os membros da Corte Especial. O fato da recusa do governo em retirar os invasores não significa que a lei suprema não tenha de ser obedecida por todos, sejam proprietários ou não. Um famoso, digno e respeitável desembargador paulista, ao saber do acórdão, mostrou toda a sua indignação ao dizer: "É uma vergonha, pois, com tal entendimento unânime, se constata que vivemos em um país sem lei e sem ordem. Os proprietários do sítio, aparentemente pessoas simples, estão com o imóvel invadido, a posse dos invasores consolidada, o Judiciário está desrespeitado pelo Executivo, a Constituição Federal esbulhada. Pior: o imóvel não foi desapropriado e a situação está surrealista e absurda para os proprietários espoliados".

A desapropriação no caso julgado não poderia ser admitida porque reconhecida sua produtividade, e somente cabia ao Estado, protetor dos direitos constitucionais, retirar os invasores, e isso nos leva à seguinte pergunta: existe propriedade privada no Brasil? Tal matéria transcende o âmbito dos interesses defendidos por qualquer rábula ou advogado, porque diz respeito a direitos subjetivos da mais alta objetividade na ordem pública, pois atinge de forma afrontosa os interesses legais e constitucionais da coletividade. O proprietário tem direitos que não podem ser afrontados pelo Judiciário. E o acórdão desmerece o próprio Poder Judiciário, que é afrontado pelo risível e pretensamente intelectual – mania nacional – acórdão.

Daí chamarmos de "panfleto" este pequeno artigo. Porque a história real do panfleto se resume ao grito de angústia daquele que é cerceado em seus direitos constitucionais, que se recusamos aceitar como normas e preceitos, ou princípios aplicados a arestos, como no caso, porque não foram submetidos à critica e ao desespero que a todos provocam, dada a sua incompatibilidade irreconciliável com a sistemática jurídica vigente no país.

Este panfletário não pode estender-se como gostaria sobre o que é um julgado, mas é de dizer-se que trata-se de história que o próprio juiz cria para si mesmo sobre os fatos e narrações do processo, interpretando-os e discernindo a seu modo, devendo observar a aplicação da lei no ajuste ou encaixar ao caso concreto nos pressupostos previstos pelas normas jurídicas. Enfim, ao aplicar a proporcionalidade, ignorou a razoabilidade e fundamentalmente a legalidade, palavra tão esquecida atualmente.

Estamos ao Deus dará em matéria de legalidade. O ministro ignorou ainda o crime praticado pelos governadores recalcitrantes: o crime de responsabilidade ao não obedecer às ordens e decisões judiciais – e mesmo da presidente, que se submete a impeachment. Espera o panfletário continuar, pois a matéria é de intensa responsabilidade daqueles que lutam por uma democracia e pelo Estado de Direito. E os efeitos do acórdão não pararão na simples publicação, pois seus efeitos virão de cima para baixo. Preparemo-nos para um inferno astral no campo. Por fim, vale citar Platão, que no seu Criton disse: "Pensas que possa existir um Estado sem leis, ou que as leis não sejam destruídas e aniquiladas, quando os julgados não têm força, quando cada qual as pode violar, subtraindo-se-lhes à execução?"

Antonio Carlos Ferreira é advogado e escritor.

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