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| Foto: Jonathan Campos/Gazeta do Povo

Quando algo está em falta é porque não se está produzindo como deveria ou porque antes não havia demanda. Em 2008, engenheiros e mestres de obra estavam em falta no mercado de trabalho. A economia brasileira, pegando onda no crescimento mundial e em uma concessão de crédito inédita, gerou expansão do mercado imobiliário e investimentos em infraestrutura. Como não tínhamos profissionais preparados para essa demanda, as empresas começaram a contratar de outras construtoras para não atrasarem projetos. A competição por bons profissionais foi tão alta que os salários de engenheiros civis e mestres de obras inflacionaram em até 300% entre 2005 e 2007, sem necessariamente existir aumento de produtividade. Assim também aconteceu com as demais engenharias, profissionais financeiros, de saúde, entre outras profissões. O fenômeno foi apelidado de “apagão de talentos”.

Depois disso, todo mundo já sabe. Uma política macroeconômica não sustentável criou um contexto que é o pior destruidor de talentos para um país: alto desemprego e falta de oportunidades de trabalho por um longo período. O mesmo aconteceu na Europa quando a crise financeira global tomou efeito em 2008. O desemprego na Espanha, por exemplo, atingiu 27% da população em 2013, e mais de 40% dos jovens. A recuperação de empregos só começou a acontecer de forma estruturada nos últimos dois anos e mesmo assim em um ritmo baixo se comparado com outras expansões econômicas.

A pior consequência foi para aqueles que ficaram muito tempo sem trabalho

A pior consequência foi para aqueles que ficaram muito tempo sem trabalho. As vagas privilegiam quem tem experiências mais recentes. Os jovens que entraram para o mercado do trabalho na época da crise acabaram não adquirindo experiência para oferecer e se tornaram o que muitos chamam de geração perdida, já que poucos irão de fato desenvolver o talento e o potencial que lhes permitiriam ser bem sucedidos e dar o melhor para o seu país. Nos Estados Unidos ainda existem mais de 3 milhões de pessoas que perderam seus trabalhos na mesma crise e desistiram de procurar emprego, grupo que não é capturado pelos índices de desemprego positivos. Fatos semelhantes são relatados na Grécia, Itália e Portugal, entre outros.

No Brasil, muitos profissionais, para sustentar suas vidas e famílias, tiveram de aceitar trabalhos que não aproveitam o seu talento e potencial. Isso ao mesmo tempo em que muitas funções estão ficando obsoletas e outras são demandadas em áreas nas quais não há oferta, como desenvolvedores de software, instaladores de células fotovoltaicas, estatísticos etc. Sem economia aquecida, temos pessoas capacitadas ocupando subempregos ou desempregadas. Quando a economia melhorar, devemos enfrentar fenômeno semelhante ao que já vivemos no passado, com grande chance de ele ser potencializado, já que irá incluir não só a falta de profissionais que nosso modelo educativo não entrega, como excesso daqueles que ficaram obsoletos e serão preteridos pelas organizações. Isso afeta diretamente a base do crescimento econômico sustentável que demanda uma classe média numerosa, educada e produtiva.

Leia também: Campanhas de incentivo colaboram para empresas reterem talentos (artigo de Juliana Altruda, publicado em 26 de maio de 2014)

Do mesmo autor: Transformar culturas não é tão simples assim (22 de agosto de 2017)

O delicado é que durante o apagão de talentos a experiência das empresas em investir na formação de profissionais foi seriamente afetada. Enquanto muitas companhias investiam grandes quantias nessa área para ter os talentos necessários para apoiar seu crescimento, outras investiram muito pouco ou nada: simplesmente faziam ofertas financeiras mais agressivas para recrutar talentos já prontos. Isso criou um contexto que tende à soma zero, já que até para quem investia não compensava gastar dinheiro no desenvolvimento de talentos que seriam “roubados”. Com menos investimento, no longo prazo mais pessoas acabam excluídas do mercado. Acreditar que só o governo é responsável por educar pessoas para o mercado de trabalho é uma ilusão. Empresas, mesmo as que compartilham o setor, são diferentes e há muitas especificidades que só se aprende na prática.

No último Fórum Econômico Mundial em Davos, os representantes das companhias participantes acordaram em treinar 8 milhões de pessoas nos próximos anos como resposta à ameaça, pelo advento da tecnologia, da eliminação de pessoas do mercado de trabalho e geração de mais desigualdade social.

Em países como o Brasil, esse contexto é mais delicado. A compreensão pelos líderes empresariais dessa realidade é dúbia. O governo tem um grande papel, mas sem a atuação e atenção das empresas vamos continuar dando “voos de galinha” e construindo um país mais subdesenvolvido.

Claudio Garcia é vice-presidente-executivo de Estratégia e Desenvolvimento Corporativo da consultoria Lee Hecht Harrison.
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