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A impunidade corrói a credibilidade do sistema de Justiça, agredindo a confiança das pessoas nas instituições da democracia. Felizmente, nenhuma nação está condenada a viver eternamente com os vícios do passado. Se a circunstância faz o ladrão, o acaso pode transformar a História. Foi, então, que uma investigação transversal na 13.º Vara Federal de Curitiba mudou o rumo dos acontecimentos nacionais. Quando se viu, o fio da meada de um doleiro levou a grandes tubarões da propina política. A partir daí, os esquemas delitivos desabaram como castelos de cartas.

Dito isso, não há dúvida de que a Operação Lava Jato é um ponto de inflexão positivo na trajetória brasileira de combate ao crime organizado. Aliás, o crime estava desorganizado e, por assim ser, vulnerável. Sem cortinas, com a ascensão de uma dada corrente político-partidária, houve uma explosão da ilicitude no Brasil. O governo, sem qualquer vergonha na cara, passou a ser um grande balcão de negócios; bastava acertar o preço e pagar a comissão. Durante anos, poucos foram ilicitamente felizes, tapeando a triste pobreza de muitos cidadãos honestos.

Sabidamente, o mal não dura para sempre. Enquanto houve estrutura orgânica, o sistema delitivo foi eficiente nas sombras da lei. O problema é que o negócio da corrupção ficou grande e caro demais, aumentando as arestas de visibilidade e os custos de transação. Em um belo dia, parte do sistema caiu, guardando engrenagens subterrâneas para a oportuna retomada da operação.

As instituições podem sim ser otimizadas, mas jamais eliminarão falhas decorrentes da errante natureza humana

Sim, senhoras e senhores, a corrupção é um negócio interminável. Na verdade, é um risco inerente ao Estado. Não acredite em contos de fadas, pois inexiste sistema de Justiça perfeito. As instituições podem sim ser otimizadas, mas jamais eliminarão falhas decorrentes da errante natureza humana. Logo, a redução das margens de impunidade é um elemento essencial para o resgate da confiabilidade social na força e efetividade da lei.

Acontece que alguns métodos de repressão criminal estão ultrapassados. Ilustrativamente, ainda privilegiamos a masmorra medieval como forma precípua de punição delitiva. Diga-se de passagem que, perto de alguns presídios brasileiros, o cárcere em castelos feudais seria uma acomodação de luxo. Friso, todavia, que não faço a afirmação por pena ou clemência com a bandidagem festiva; se queremos ter uma sociedade ética e civilizada, o crime e a ilicitude devem ser energicamente prevenidos e reprimidos pelo Estado. A questão, aqui, é outra: diz respeito com o grau de eficácia e a natureza das sanções estatais.

Objetivamente, existem crimes que a prisão tem uma função simbólica, mas, no fim do dia, é pouco efetiva. Peguem o caso de um empresário desonesto que ficou bilionário com negócios escusos com o governo; uma vez iniciado o devido processo penal, tal magnata da propina sela acordo de delação premiada, fixando pena de quatro anos de reclusão, sendo que metade em domiciliar. Todavia, seus vultosos negócios com o governo persistem e eventual valor devolvido ao Estado não passa de um café pequeno em sua fabulosa fortuna. Pergunta-se, então: a justiça foi feita?

Opinião da Gazeta: O que fazer com nossas prisões? (editorial de 10 de janeiro de 2017)

Leia também: O Supremo contra Dadá Maravilha (artigo de Antonio Kozikoski, publicado em 30 de abril de 2018)

Sim, a pergunta é marota, pois o sentimento de justiça é algo subjetivo. Mas não soa aceitável que alguém que saqueia o Estado tenha o direito de viver perpetuamente com o produto do crime. O interessante é muitos pensam que os anos de prisão servem para compensar a ilicitude cometida. Quanta ingenuidade. Um delinquente profissional calcula, previamente ao ilícito, a possível pena que terá, caso descoberto. Moral da história: o sistema atual estimula projetos criminosos ao invés de coibi-los. E não adianta carregar nos anos de prisão, pois, para crimes de viés econômico, o caminho da efetividade é outro.

A partir das contribuições do pensamento de Jeremy Bentham, importante corrente doutrinária americana vislumbrou a legalidade com um fator de aperfeiçoamento do comportamento humano. Em uma perspectiva de pain vs. pleasure, quanto mais alta a severidade da sanção, maior a capacidade de dissuasão criminal. A dificuldade é que, nem sempre, sancionamento severo é igual a mais anos de prisão. Em certas circunstâncias, um maior rigor no apenamento pecuniário é infinitamente mais eficaz que a simbologia carcerária. Ou seja, aquele que se apropria indevidamente do patrimônio do Estado deve ser punido com a efetiva reparação do prejuízo, acrescido, caso a caso, de uma multa dissuasória criminal, além de eventuais impedimentos de contratação com o poder público por flagrante inidoneidade.

Leia também: O indulto, a prisão e o “ghoul” de Scalia (artigo de Diego Pessi, publicado em 7 de janeiro de 2018)

Leia também: Indenização para presos (editorial de 1.º de março de 2017)

O tema aqui é vasto e instaura uma discussão ainda tímida no Brasil sobre a natureza híbrida das sanções punitivo-ressarcitórias. Em artigo seminal no Yale Law Journal (1992) sobre tendências sancionatórias contemporâneas, a inteligência de Kenneth Mann realça que precisamos “novas formas de atingir fins sociais através do sistema legal”. Não adiante querer ir contra os fatos: uma criminalidade sofisticada exige um sistema sancionatório inteligente.

Por mais que tentemos, não há como construir um país moderno com concepções filosóficas atrasadas. A desconexão do pensamento com a realidade é uma forma de incompreensão, cujo resultado é o manter de um status quo decadente. Talvez a simbologia da prisão – tão necessária para os crimes de violência real – mereça ser repensada, em sua eficácia e aplicabilidade, para crimes de natureza econômica.

Sebastião Ventura Pereira da Paixão Jr. é advogado e vice-presidente da Federação de Entidades Empresariais do Rio Grande Sul.
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